Nos 100 anos de Vergílio Ferreira
"Não fôra o tio Manuel, padre da aldeia, Vergílio Ferreira estaria destinado a ser mais um a apascentar o gado, a cabritar pela serra, a mergulhar no volfrâmio ou a dar o salto noutro azimute."
Quando, naquela fria tarde de 28 de Janeiro de 1916, há precisamente 100 anos, Josefa de Oliveira suava nas suas dores de parto, talvez já não se lembrasse do que lhe havia dito sua mãe, alguns meses antes, ao subirem a rampa para a missa de domingo.
Josefa, que então hesitara com uma inesperada tontura, parou e apoiando-se na mãe terá dito: - Não sei o que tenho, minha mãe. Ela, a mãe, fulminando-a com o olhar, lá lhe terá respondido: - Não me digas! Não me digas que já arranjaste outra desgraça!
E a “desgraça” ali estava agora, acabadinha de chegar. Vergílio de seu nome. Em Melo, pequena aldeia serrana a dois passos de Gouveia, os Ferreira aumentavam a prole, mas poucos anos depois partiam para as Américas deixando o pequeno Vergílio entregue às tias maternas, ao destino e, sobretudo, a si próprio como o futuro nos revelaria.
Não fôra o tio Manuel, padre da aldeia, Vergílio Ferreira estaria destinado a ser mais um a apascentar o gado, a cabritar pela serra, a mergulhar no volfrâmio ou a dar o salto noutro azimute. O “padrinho-prior”, percebendo que o miúdo aprendia como poucos o latinório da missa, desencaminhou-o do gado, empurrando-o para Deus.
Aos dez anos, Vergílio cruzava os portões do Seminário do Fundão, numa «Manhã Submersa» que magistralmente relevou para memória futura. Mas ao perceber que não era por ali o carreiro, fez-se à estrada rumo à Guarda e a Coimbra o que lhe permitiria a formatura para o ensino que o levou a Faro, a Bragança e acima de tudo a Évora onde durante dezasseis anos bebe do Alentejo profundo uma «Aparição» existencial e imemorial. Nunca como naquele Alentejo revivera o espaço, a angústia e a solidão da serra onde nascera.
E se «O caminho Fica Longe», quando Lisboa e o velho Liceu Camões com ele se cruzam, Vergílio Ferreira tem a consciência de, como diz na sua autobiografia, “Lisboa é um sítio onde se está, não um lugar onde se vive... Quando for para Lisboa, levo a província comigo e instalo-me nela...”. Por lá ficou dezoito anos da sua vida, salpicada pela ausência de afectos, que compensa nos milhares de páginas que nos legou, nas várias polémicas que não evitou e na procura incessante de si próprio.
Vergílio Ferreira foi um escritor maior da nossa literatura. Infelizmente, é ensurdecedor o silêncio sobre a sua obra, comparável apenas aos invernos soturnos das suas memórias de infância.
E agora, que passam cem anos sobre o seu nascimento, curvo-me perante a “desgraça” de Josefa de Oliveira, lá, em Melo, na subida da rampa para a missa de domingo.
(Adelino Correia-Pires, Janeiro 2016)
Imagem: colagem da Ana Paula Lopes.
Nos 100 anos de Vergílio Ferreira
Não fôra o tio Manuel, padre da aldeia, Vergílio Ferreira estaria destinado a ser mais um a apascentar o gado, a cabritar pela serra, a mergulhar no volfrâmio ou a dar o salto noutro azimute.
Quando, naquela fria tarde de 28 de Janeiro de 1916, há precisamente 100 anos, Josefa de Oliveira suava nas suas dores de parto, talvez já não se lembrasse do que lhe havia dito sua mãe, alguns meses antes, ao subirem a rampa para a missa de domingo.
Josefa, que então hesitara com uma inesperada tontura, parou e apoiando-se na mãe terá dito: - Não sei o que tenho, minha mãe. Ela, a mãe, fulminando-a com o olhar, lá lhe terá respondido: - Não me digas! Não me digas que já arranjaste outra desgraça!
E a “desgraça” ali estava agora, acabadinha de chegar. Vergílio de seu nome. Em Melo, pequena aldeia serrana a dois passos de Gouveia, os Ferreira aumentavam a prole, mas poucos anos depois partiam para as Américas deixando o pequeno Vergílio entregue às tias maternas, ao destino e, sobretudo, a si próprio como o futuro nos revelaria.
Não fôra o tio Manuel, padre da aldeia, Vergílio Ferreira estaria destinado a ser mais um a apascentar o gado, a cabritar pela serra, a mergulhar no volfrâmio ou a dar o salto noutro azimute. O “padrinho-prior”, percebendo que o miúdo aprendia como poucos o latinório da missa, desencaminhou-o do gado, empurrando-o para Deus.
Aos dez anos, Vergílio cruzava os portões do Seminário do Fundão, numa «Manhã Submersa» que magistralmente relevou para memória futura. Mas ao perceber que não era por ali o carreiro, fez-se à estrada rumo à Guarda e a Coimbra o que lhe permitiria a formatura para o ensino que o levou a Faro, a Bragança e acima de tudo a Évora onde durante dezasseis anos bebe do Alentejo profundo uma «Aparição» existencial e imemorial. Nunca como naquele Alentejo revivera o espaço, a angústia e a solidão da serra onde nascera.
E se «O caminho Fica Longe», quando Lisboa e o velho Liceu Camões com ele se cruzam, Vergílio Ferreira tem a consciência de, como diz na sua autobiografia, “Lisboa é um sítio onde se está, não um lugar onde se vive... Quando for para Lisboa, levo a província comigo e instalo-me nela...”. Por lá ficou dezoito anos da sua vida, salpicada pela ausência de afectos, que compensa nos milhares de páginas que nos legou, nas várias polémicas que não evitou e na procura incessante de si próprio.
Vergílio Ferreira foi um escritor maior da nossa literatura. Infelizmente, é ensurdecedor o silêncio sobre a sua obra, comparável apenas aos invernos soturnos das suas memórias de infância.
E agora, que passam cem anos sobre o seu nascimento, curvo-me perante a “desgraça” de Josefa de Oliveira, lá, em Melo, na subida da rampa para a missa de domingo.
(Adelino Correia-Pires, Janeiro 2016)
Imagem: colagem da Ana Paula Lopes.
![]() Apresentados os candidatos à presidência da Câmara de Torres Novas, a realizar nos finais de Setembro, ou na primeira quinzena de Outubro, restam pouco mais de três meses (dois de férias), para se conhecer ao que vêm, quem é quem, o que defendem, para o concelho, na sua interligação cidade/freguesias. |
![]() O nosso major-general é uma versão pós-moderna do Pangloss de Voltaire, atestando que, no designado “mundo livre”, estamos no melhor possível, prontos para a vitória e não pode ser de outro modo. |
![]() “Pobre é o discípulo que não excede o seu mestre” Leonardo da Vinci
Mais do que rumor, é já certo que a IA é capaz de usar linguagem ininteligível para os humanos com o objectivo de ser mais eficaz. |
![]()
Em 2012, o psicólogo social Jonathan Haidt publicou a obra A Mente Justa: Porque as Pessoas Boas não se Entendem sobre Política e Religião. Esta obra é fundamental porque nos ajuda a compreender um dos dramas que assolam os países ocidentais, cujas democracias se estruturam, ainda hoje, pela dicotomia esquerda–direita. |
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
![]() |
![]() |
![]() |
» 2025-07-03
» Jorge Carreira Maia
Direita e Esquerda, uma questão de sabores morais |
» 2025-07-08
» António Mário Santos
O meu projecto eleitoral para a autarquia |
» 2025-07-08
» José Alves Pereira
O MAJOR-GENERAL PATRONO DA GUERRA |
» 2025-07-08
» Acácio Gouveia
Inteligência artificial |