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30 anos: o JT e a política - joão carlos lopes

Opinião  »  2024-09-30  »  João Carlos Lopes

Dir-se-ia que três décadas passaram num ápice. No entanto, foram cerca de 11 mil dias iguais a outros 11 mil dias dos que passaram e dos que hão-de vir. Temos, felizmente, uma concepção e uma percepção emocional da história, como se o corpo vivo da sociedade tivesse os mesmos humores da biologia humana. Os tempos são lentos ou rápidos, densos, esquizofrénicos, loucos, esperançosos, deprimentes. Sempre foi assim. Escapando-nos por entre os dedos, a interpretação da história tem de ser assim amarrada às nossas categorias de ver a realidade tal como a vivemos no presente.

Depois há os sacerdotes da interpretação do passado, os historiadores, que passados muitos anos, com o requerido afastamento temporal dos factos, lhe procuram dar um encadeamento lógico de causas, consequências, contextos, quando os factos já estão mortos e os seus protagonistas mais mortos estão. A história faz-se quando já ninguém pode responder pelo que se passou. É uma necrofagia, alimentando-se de cadáveres – os documentos, vestígios e testemunhos que apenas são fatias isoladas e retiradas do seu contexto concreto e vivido, vislumbres de um tempo que passou e não se pode reconstruir. A história e todos os discursos sobre o passado, quanto mais remoto pior, são formidáveis ficções sobre o modo de como gostaríamos que o passado tivesse acontecido, são os nossos modelos de pensamento e da visão do mundo aplicados a tempos dos quais não temos a mínima ideia de como se sucederam. Dito isto, e relativizando tudo o que importará sempre relativizar, adiante.

Há 30 anos, o mundo limpava os beiços da queda do império soviético e da reunificação da Alemanha. A Europa apressava-se. Esconjurado o diabo que até aí tinha impedido a felicidade humana, derrubado o muro, prometia-se agora, à Europa e ao mundo, o leite e o mel da democracia liberal, que ia dar aos povos 50 vezes o progresso e o desenvolvimento que o “comunismo” tinha prometido e falhado. A própria história tinha os dias contados. O capitalismo triunfante, sem alternativa histórica, superava-se e superava tudo o que a humanidade tinha construído desde o neolítico. Azar: o socialismo e a social-democracia europeias, detentores de um valioso património político de progresso social, iriam sucumbir ao canto de sereia do neoliberalismo, que, mais tarde, os trucidaria sem dó nem piedade.

Por aqui, mais perto, falamos ainda de 94, estava a acabar a década do cavaquismo, a primeira grande vaga de milhões por dia, a torneira escancarada, o tempo dos jeeps, dos cursos de formação fictícios, dos projectos fantasmas. Vinham aí os computadores, a bolha da venda de automóveis, as auto-estradas, a bolha imobiliária, a EXPO, aproximavam-se o euro e o novo milénio, ia-se o escudo. Chegara entretanto Guterres, a grande oportunidade histórica socialista de transformar o país, logo afogado em pântanos e limianos, para entrarem em palco Santana, o breve, depois o fugitivo Durão, a seguir Sócrates, o pinóquio, em derrapagens sucessivas até Passos, o exterminador dos mundos, antes do lento e oriental Costa, que desperdiçou a segunda oportunidade histórica de os socialistas desenharem uma visão de país.

1994, ainda. Após 14 anos de gestão social-democrata da Câmara de Torres Novas, bafejado com os ventos da história – a vaga guterrista, o dinheiro à vara larga - o PS ganha acidentalmente a autarquia por escassas dezenas de votos à conta da desistência, à boca das urnas, da UDP. António Rodrigues iniciava um ciclo de mais de 30 anos que está agora a acabar: o socialismo “ferreirista” é obra do socialismo “rodriguista”, é a sua sequência, é a mesma cultura política, embora travestida de boa cara, bonomia e social-porreirismo. De resto, António Rodrigues e Pedro Ferreira estiveram muito mais tempo juntos do que afastados.

O antigo presidente do Desportivo dos últimos tempos gloriosos dos amarelos, que aliás o ajudaram a catapultar para os altos vôos da política, podia ter juntado à assinalável obra que deixou, ímpar e irrepetível na sua formidável dimensão, temos de admiti-lo, uma sociedade torrejana mais empenhada civicamente, uma massa crítica indispensável ao debate das coisas da cidade e do concelho, uma opinião pública actuante e presente. Teve amplo capital político para lograr esse objectivo, mas desperdiçou-o inutilmente. Pelo contrário, a deriva autoritária socialista (uma certa ecologia política que ultrapassou o seu próprio criador) no início do milénio, teve nele o seu intérprete, com o autismo político, o distanciamento e o efeito eucalipto do PS a devastarem tudo à volta, deixando Torres Novas sem energias e o próprio regime exausto ao fim de 20 anos. Os torrejanos viraram-se para dentro, muitos esconderam-se, desistiram. Mas, azar do Távoras, e pelo meio das minudências daquele tempo, a promessa do regime, mil vezes repetida, de acabar a todo o custo com o JORNAL TORREJANO, “o pasquim comunista”, foi mais uma comédia que acabou em tragédia. Acabou tudo, acabou muita coisa e muita coisa se foi, menos o JORNAL TORREJANO.

O ferreirismo político (não estritamente pessoal e que acabaria por paralisar o próprio Pedro Ferreira), e que não passa, pois, de um rodriguismo inicialmente temporário (a promessa de um só mandato para que Rodrigues voltasse não foi cumprida nem nunca publicamente desmentida) não foi mais que o prolongar desse estado de esforço político que já vinha de longos 20 anos que levaram ao esgotamento, também político, de uma fórmula que até teve algo de esperançoso no seu início, disfarçado por duas ou três obras vistosas pagas pelos do costume, num quadro em que, por meios próprios, a autarquia deixou de ter, como tinha tido antes da falência técnica (como quase todas no país) e depois do plano de resgate do Governo, dinheiro para mandar cantar um fado, quanto mais arranjar passeios ou limpar os espaços públicos ou despoluir o leito do rio, vergonhosamente conspurcado apesar do “bonito” dos parques e dos corredores ecológicos.

E foi assim. Passaram Cavaco, Guterres, Santana, Durão, Sócrates, Passos Costa, há-de passar Montenegro. Da história, pode picar-se também Sampaio, Soares, Cavaco, um dia deste Marcelo. O mundo pula e avança e a história não acabou. Três décadas, 11 mil dias. Que assistiram também a uma pequena-grande revolução nos media. Fecharam milhares de jornais por todo o mundo, centenas em Portugal, implantou-se a ditadura digital que afastou milhões de pessoas da cidadania e transformou algumas empresas, bancos e administrações em realidade inatingíveis, onde não há rostos nem palavras, apenas modos expeditos de literalmente expulsar as pessoas.

Somos menos, neste concelho: de mais de 37 mil há 50 anos, já somos agora 35 mil ou menos. Somos mais velhos: nasciam 1500 crianças no hospital de Torres Novas nos finais dos anos 70, hoje nascem menos de 300 bébes “torrejanos” por ano. Nas aldeias, o cenário quotidiano é deprimente. É difícil encontrar uma pessoa, seja onde for, para pedir uma informação. A cidade morreu. Fora das proximidades das escolas e em período de aulas, reina um silêncio sepulcral. Torres Novas perdeu centralidades funcionais, está em processo de goleganização. Os brilharetes individuais não ofuscam um desporto débil, esmifrado por clubes e clubinhos. O comércio tradicional reduz-se a duas mãos cheias de lojas a olhar para o vazio, tal foi a aposta política nas grandes cadeias. O desinvestimento no mercado municipal – quando foram dadas ajudas diretas e indirectas de milhões às grandes empresas de distribuição, da construção de infraestruturas às isenções fiscais – ameaça pôr fim à única “função central” que resta à cidade. E não querem ver isso. Tudo isto é política e é matéria para os políticos. E para os cidadãos debaterem.

Foi com este pano de fundo de 30 anos, com este contexto político e os seus protagonistas, que activamente interagimos politicamente, porque debater politicamente é debater o “governo da cidade”. Ao JORNAL TORREJANO cabe, como sempre aconteceu, suscitar o debate sobre a coisa pública, escrutinar o poder político e os outros poderes que põem em causa o interesse colectivo.

Sejamos sinceros: tirando as idiossincracias de um poder socialista de mais de 30 anos que se aprimorou no pior que têm a arrogância autoritária, o desprezo pelas opiniões divergentes, o desrespeito político pela oposição, como se pudesse existir poder sem oposição, o deslumbramento saloio, a ignorância atrevida, o permanente truque e manhosisse com que se tratam os assuntos políticos, o alegre tráfico de influências que alimenta redes de interesses em carrossel, a compra de votos utilizando o sacrossanto “subsídio”, que é dinheiro público, como instrumento privado de gerir políticas partidárias, tirando isso tudo, o quadro difícil com que Torres Novas se depara é infelizmente geral, atinge a maioria dos concelhos do país, é resultado de causas estruturais que ultrapassam a vontade e a capacidade dos autarcas portugueses. Torres Novas tem é o azar de fazer o pleno.

Mas esse quadro não elimina a obrigação de os autarcas trabalharem, de forma cristalina e transparente, e com todos, em prol de uma terra mais decente, limpa, organizada, democrática, solidária, em que o sentimento de comunidade seja forte e se sobreponha às diferenças políticas, legítimas e mais que isso, indispensáveis, de cada um. Ao assinalarmos a passagem dos 30 anos do JORNAL TORREJANO, quase mil e duzentas edições depois, confirmamos que o nosso programa se mantém, com humildade mas com empenho: escrutinar os poderes, defender o interesse público e dar voz a todos, com temos feito até aqui.

 

 

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