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Ironia do destino ou lei do retorno? - maria augusta torcato

Opinião  »  2020-09-28  »  Maria Augusta Torcato

"Gosto de escolas. Lembro que a escola, para mim, que era tão pequena e vivia numa aldeiazinha do Alentejo, representava tudo o que queria."

Sempre tive, e continuo a ter, um fascínio por escolas. Quando se atravessa uma aldeia, uma pequena vila, ou até um monte ou pequenino aglomerado de casinhas, os edifícios que albergavam as escolas têm uma traça comum e especial. O meu olhar fica preso. De todas as vezes imagino a alegria, os sons, as brincadeiras que por ali teriam ocorrido. Imagino avós à conversa, à espera dos netos. Imagino até algumas avós a irem à escola, durante os intervalos, para levarem o lanche da manhã ou da tarde aos seus queridos e amados netos, enquanto os pais trabalhavam fora, durante todo o dia, mas de coração tranquilo, porque sabiam que os filhos estavam com quem os amava e protegia. Os avós são, aliás, aqueles de quem que se diz que são pais duas vezes.

Gosto de escolas. Lembro que a escola, para mim, que era tão pequena e vivia numa aldeiazinha do Alentejo, representava tudo o que queria. A escola era, para mim, um mundo tão grande num mundo tão pequeno! Nada havia mais importante numa aldeia que a escola. Era um espaço agregador. Era um espaço de partilha. Era um espaço respeitável e reconhecido. Era um espaço que criava pontes para o futuro e um futuro melhor. Era um espaço de sonhos. Sempre senti que a escola era o coração da minha aldeia e de todas as aldeias do mundo. E se o coração é o órgão mais importante do corpo, então a escola era o mais importante das aldeias e das vilas e até das cidades. As escolas são o coração do mundo!

Mas, as mudanças, tal como as escolas, fazem parte do mundo. De tal modo, que parece que o mundo não será mundo sem mudanças. As mudanças passaram a mudar tudo. Passaram a mudar tudo tão depressa que nem dão tempo à mudança de mudar.

Uma das coisas que as mudanças fizeram foi arrancar o coração às aldeias. Achou-se que o seu coração era pequenino e era preciso um maior. Isso seria bom para todos. Principalmente para as crianças. E estas seriam jovens, adultos, pais, mães e avós melhores…talvez!

Assim, as aldeias e algumas vilas foram morrendo, sem coração. Os avós deixaram de ter netos a quem entregar o lanche na escola, deixaram de ter netos para levar, esperar e trazer da escola. E as raízes que se criavam e fortaleciam e os laços que enlaçavam as pessoas deixaram, pura e simplesmente, de existir. E, além do coração, a identidade, o gosto, o sentimento de pertença àquela terra também deixaram de existir. Mas como se vive sem coração, sem raízes, sem identidade, sem um princípio e sem se entender o fim?

Por tudo isto, pela perda que se foi criando, o nada e o vazio começaram a imperar. Justificam-se o nada e o vazio com a interioridade, com a distância, com a falta de oportunidades, com a ausência de pessoas, com um sem número de razões que são, em simultâneo, causa e consequência.

O que se queria era lugares com muita gente, mesmo que a muita gente implicasse ser-se menos gente. Muita gente pode significar, na leitura de muitos, desenvolvimento, progresso, futuro. E nesta gente deixaram de caber os mais velhos, os que ficaram nas aldeias, nas pequenas vilas, nos lugares mais recônditos, mas mais aprazíveis, mais saudáveis, mais puros, mais autênticos, mas também, muitos deles, em decadência e em morte lenta.

Tudo o que existia e nos definia e daria razão de ser ao futuro desapareceu. Arrancaram-lhe o coração.

E então veio um vírus. E um simples vírus veio obrigar-nos a pensar no que tínhamos e permitimos que acabasse. Hoje, as aldeias e as pequenas vilas são espaços que se oferecem salutarmente à fuga da imensidão de gente da cidade, mas muitas vezes não é possível fugir. Hoje, querem ver-se os avós e deseja-se a sua ajuda e tal não é possível. Hoje, querem-se outras alternativas aos grandes corações, que trazem vários problemas e riscos e se revelam muito mecânicos, e não há corações pequenos, sentidos, com vida real, verdadeiramente humanos.

Por ironia do destino ou por qualquer lei do retorno, hoje temos consciência que talvez aquilo que desprezamos e matamos seria o garante da nossa sobrevivência e razão de ser da nossa existência.

Por isso, as antigas escolinhas, corações arrancados dos espaços, serão, na minha perspetiva, lugares onde os fantasmas bons gostarão de permanecer, porque neles há memórias de vida, saúde, avós e convívio, tudo aquilo que agora gostaríamos de ter e nos é vedado. Ironia do destino ou lei do retorno?

E, já agora, parabéns ao JT, que entra no 27.º ano de publicação ininterrupta. Sabemos que o jornalismo é também uma escola. E o jornalismo de proximidade, aquele que se faz na imprensa regional e local é, talvez, o que mais faz para manter ainda corações de aldeias e pequenas vilas a bater, tentando, com esforço, muitas vezes, a sua reanimação!

 

 

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