Falta poesia nos corações (ditos) humanos
" “Tenho muita dificuldade em compreender que o nosso mundo esteja como está e que seja governado por tantos insanos e cruéis."
No passado mês de agosto revisitei a peça de teatro de Bertolt Brecht “Mãe coragem”. O espaço em que a mesma foi representada é extraordinário, as ruínas do Convento do Carmo. A peça anterior a que tinha assistido naquele espaço, “As troianas”, também me havia suscitado a reflexão sobre o modo como as situações humanas se vão repetindo ao longo dos tempos. Minutos, horas, dias, anos. Séculos. Milénios… Parece mesmo que estamos presos, sem dar por isso, a uma roda que roda nuns carris e, pensando que seguimos um caminho sempre novo, afinal, é um caminho batido, muito velho e repetitivo. A consciência disso deixa-nos desconfortáveis e impotentes.
Brecht tem a lucidez e a capacidade de nos mostrar, mesmo que através da técnica da distanciação, o nosso próprio retrato, o retrato da nossa realidade, através de outros retratos e outras realidades. Como é possível que aquelas pessoas sejam as pessoas de hoje? Como é possível que aquelas situações sejam as situações de hoje? Como é possível que estejamos sempre a repetir as mesmas coisas? Como é possível que nós, humanos, que tanto gáudio manifestamos pelo nosso desenvolvimento, pelas nossas aprendizagens, pelos nossos progressos, afinal, continuemos presos a uma natureza anacrónica, desumana e destoante do que se supunha e auspiciava para os nossos tempos? O século XXI.
A problemática da guerra, dos jogos de poder e de interesses económicos e políticos mantém-se actual. A verdade é que eu não imaginaria mesmo que estaríamos, neste nosso tempo, a assistir, sem capacidade de intervir, a atitudes e comportamentos ditatoriais, imperialistas e de genocídio de uma forma tão brutal e destrutiva. A verdade é que tenho muita dificuldade em compreender e aceitar que o nosso mundo esteja como está e que seja governado por tantos insanos e cruéis, que infligem aos povos um sofrimento horroroso. E, mesmo que um povo se manifeste, que esse povo diga “não”, a indiferença e a manutenção do status dos poderosos são superiores e determinam a vida de todos os outros. Como é possível? Como aceitar?
Creio viver-se uma época em que a grande maravilha e espelho do desenvolvimento humano seria simplesmente deixar-se que as pessoas fossem pessoas. Que as pessoas pudessem respeitar-se, olhar-se olhos nos olhos e não temer julgamentos, não temer marginalização, não temer castigos, não temer… não temer…
Creio que falta poesia no coração dos homens. Se houvesse poesia no coração dos homens, talvez a doçura, a empatia e a compreensão fossem alimentos da vida. Talvez a reflexão se fizesse sempre com enfoque no que é “o nós” e não apenas “o eu”. Talvez houvesse empenho na destruição do egoísmo que grassa por aí e gera ignorância e maldade.
O “Jornal Torrejano” cumpre o seu trigésimo aniversário sem interrupção, está de parabéns, assim como todos os que o têm ajudado e feito neste percurso. Não é tarefa fácil manter-se como é, tendo em conta a crise que também afecta o jornalismo, que, às vezes, já nem parece jornalismo. Ao invés de se dedicar aos factos, de os desconstruir, de levar os leitores ou o público em geral à análise e à reflexão sobre a sua própria realidade, vai-se limitando a pressupostos, ao que são expectativas, ao que vai ou pode acontecer, sem que ainda tenha acontecido e mesmo nunca venha a acontecer. O olho atento, acutilante, com perspectiva analítica e crítica deixou de existir. As opiniões, mais que muitas, de especialistas não especialistas ou especialistas todo o terreno contaminam a informação, contaminam a realidade. Contaminam-nos. E nós deixamos. Como deixamos que o mundo esteja como está. E não vai melhorar. Que falta faz a poesia nos corações humanos.
Falta poesia nos corações (ditos) humanos
“Tenho muita dificuldade em compreender que o nosso mundo esteja como está e que seja governado por tantos insanos e cruéis.
No passado mês de agosto revisitei a peça de teatro de Bertolt Brecht “Mãe coragem”. O espaço em que a mesma foi representada é extraordinário, as ruínas do Convento do Carmo. A peça anterior a que tinha assistido naquele espaço, “As troianas”, também me havia suscitado a reflexão sobre o modo como as situações humanas se vão repetindo ao longo dos tempos. Minutos, horas, dias, anos. Séculos. Milénios… Parece mesmo que estamos presos, sem dar por isso, a uma roda que roda nuns carris e, pensando que seguimos um caminho sempre novo, afinal, é um caminho batido, muito velho e repetitivo. A consciência disso deixa-nos desconfortáveis e impotentes.
Brecht tem a lucidez e a capacidade de nos mostrar, mesmo que através da técnica da distanciação, o nosso próprio retrato, o retrato da nossa realidade, através de outros retratos e outras realidades. Como é possível que aquelas pessoas sejam as pessoas de hoje? Como é possível que aquelas situações sejam as situações de hoje? Como é possível que estejamos sempre a repetir as mesmas coisas? Como é possível que nós, humanos, que tanto gáudio manifestamos pelo nosso desenvolvimento, pelas nossas aprendizagens, pelos nossos progressos, afinal, continuemos presos a uma natureza anacrónica, desumana e destoante do que se supunha e auspiciava para os nossos tempos? O século XXI.
A problemática da guerra, dos jogos de poder e de interesses económicos e políticos mantém-se actual. A verdade é que eu não imaginaria mesmo que estaríamos, neste nosso tempo, a assistir, sem capacidade de intervir, a atitudes e comportamentos ditatoriais, imperialistas e de genocídio de uma forma tão brutal e destrutiva. A verdade é que tenho muita dificuldade em compreender e aceitar que o nosso mundo esteja como está e que seja governado por tantos insanos e cruéis, que infligem aos povos um sofrimento horroroso. E, mesmo que um povo se manifeste, que esse povo diga “não”, a indiferença e a manutenção do status dos poderosos são superiores e determinam a vida de todos os outros. Como é possível? Como aceitar?
Creio viver-se uma época em que a grande maravilha e espelho do desenvolvimento humano seria simplesmente deixar-se que as pessoas fossem pessoas. Que as pessoas pudessem respeitar-se, olhar-se olhos nos olhos e não temer julgamentos, não temer marginalização, não temer castigos, não temer… não temer…
Creio que falta poesia no coração dos homens. Se houvesse poesia no coração dos homens, talvez a doçura, a empatia e a compreensão fossem alimentos da vida. Talvez a reflexão se fizesse sempre com enfoque no que é “o nós” e não apenas “o eu”. Talvez houvesse empenho na destruição do egoísmo que grassa por aí e gera ignorância e maldade.
O “Jornal Torrejano” cumpre o seu trigésimo aniversário sem interrupção, está de parabéns, assim como todos os que o têm ajudado e feito neste percurso. Não é tarefa fácil manter-se como é, tendo em conta a crise que também afecta o jornalismo, que, às vezes, já nem parece jornalismo. Ao invés de se dedicar aos factos, de os desconstruir, de levar os leitores ou o público em geral à análise e à reflexão sobre a sua própria realidade, vai-se limitando a pressupostos, ao que são expectativas, ao que vai ou pode acontecer, sem que ainda tenha acontecido e mesmo nunca venha a acontecer. O olho atento, acutilante, com perspectiva analítica e crítica deixou de existir. As opiniões, mais que muitas, de especialistas não especialistas ou especialistas todo o terreno contaminam a informação, contaminam a realidade. Contaminam-nos. E nós deixamos. Como deixamos que o mundo esteja como está. E não vai melhorar. Que falta faz a poesia nos corações humanos.
![]() |
![]() Agora que nos estamos a aproximar, no calendário católico, da Páscoa, talvez valha a pena meditar nos versículos 36, 37 e 38, do Capítulo 18, do Evangelho de João. Depois de entregue a Pôncio Pilatos, Jesus respondeu à pergunta deste: Que fizeste? Dito de outro modo: de que és culpado? Ora, a resposta de Jesus é surpreendente: «O meu reino não é deste mundo. |
![]() Gisèle Pelicot vive e cresceu em França. Tem 71 anos. Casou-se aos 20 anos de idade com Dominique Pelicot, de 72 anos, hoje reformado. Teve dois filhos. Gisèle não sabia que a pessoa que escolheu para estar ao seu lado ao longo da vida a repudiava ao ponto de não suportar a ideia de não lhe fazer mal, tudo isto em segredo e com a ajuda de outros homens, que, como ele, viviam vidas aparentemente, parcialmente e eticamente comuns. |
![]() |
![]() |
![]() Deveria seguir-se a demolição do prédio que foi construído em cima do rio há mais de cinquenta anos e a libertação de terrenos junto da fábrica velha Estamos em tempo de cheias no nosso Rio Almonda. |
![]() Enquanto penso em como arrancar com este texto, só consigo imaginar o fartote que Joana Marques, humorista, faria com esta notícia. Tivesse eu jeito para piadas e poderia alvitrar já aqui duas ou três larachas, envolvendo papel higiénico e lavagem de honra, que a responsável pelo podcast Extremamente Desagradável faria com este assunto. |
![]() Chegou o ano do eleitorado concelhio, no sistema constitucional democrático em que vivemos, dizer da sua opinião sobre a política autárquica a que a gestão do município o sujeitou. O Partido Socialista governa desde as eleições de 12 de Dezembro de 1993, com duas figuras que se mantiveram na presidência, António Manuel de Oliveira Rodrigues (1994-2013), Pedro Paulo Ramos Ferreira (2013-2025), com o reforço deste último ter sido vice-presidente do primeiro nos seus três mandatos. |
![]() Coloquemos a questão: O que se está a passar no mundo? Factualmente, temos, para além da tragédia do Médio Oriente, a invasão russa da Ucrânia, o sólido crescimento internacional do poder chinês, o fenómeno Donald Trump e a periclitante saúde das democracias europeias. |
![]() Nos últimos dias do ano veio a revelação da descoberta de mais um trilho de pegadas de dinossauros na Serra de Aire. Neste canto do mundo, outras vidas que aqui andaram, foram deixando involuntariamente o seu rasto e na viagem dos tempos chegaram-se a nós e o passado encontra-se com o presente. |
» 2025-03-31
» Hélder Dias
Entrevistador... |
» 2025-03-22
» Jorge Carreira Maia
Uma passagem do Evangelho de João - jorge carreira maia |