A Ilha - josé ricardo costa
"“Nas férias, o que o Tempo nos dá com uma mão, rouba-nos com a outra (...) corta os grilhões do sinistro calendário semanal e atira pela janela o despertador."
Não há volta a dar. Todos os anos, o fim das férias faz-nos regressar ao Gólgota depois de alguns dias de prazerosa ressurreição. Sendo o trabalho, como dizia Mark Twain, um mal necessário a ser evitado, as férias são a concretização desse desejo, sentindo o trabalhador o carinho do Tempo a embalá-lo numa sucessão de dias livres.
Mas chega o fatídico dia e lá vai o Tempo imitar o dr. Jekyll, entretanto transformado em perversa e sádica criatura que lança de novo o trabalhador para dentro das grades, ainda com vestígios de areia entre os dedos dos pés e de açúcar da bola de Berlim nos cantos da boca.
Depois, há coisas boas que só podemos fazer porque estamos de férias, há coisas aborrecidas que só somos obrigados a fazer por não estarmos de férias. Será possível sair deste círculo infernal? Sim, basta pensar um bocadinho na diferença entre comer bifes batatas fritas todos os dias ou comê-los durante dois dias depois de uma semana a pescada cozida com brócolos.
Nas férias, o que o Tempo nos dá com uma mão, rouba-nos com a outra. É verdade que corta os grilhões do sinistro calendário semanal e atira pela janela o despertador que esmurra diariamente os nossos ouvidos, livrando-nos da circularidade do tempo que põe a nossa cabeça a andar à roda entre a melancolia do final de domingo e a neura de segunda de manhã.
Mas não há bela sem senão e o senão tem aqui algum peso: um dia de férias é apenas um dia depois de outro dia de férias e um dia antes de outro dia de férias. Perfeitos se vistos em bloco mas caídos na irrelevância pela monótona sucessão dos dias iguais, assim um bocadinho como o vestuário dos betos nos congressos do CDS ou dos trinetos de Lenine na Festa do Avante.
Como diria S. Paulo, nas férias não há segunda nem sábado, quarta ou domingo, feriado ou dia útil pois todos nós estamos em Agosto. Bebem-se assim os dias como um café americano: um balde de um raquítico e aguado café que se vai bebendo através de goles sempre iguais e até distraidamente. Como diria, desta vez o sempre divertido Cioran: mascar tempo.
Se o tempo das férias é vivido sem interrupções, já o tempo de trabalho é todo o ano interrompido por dias de férias: os fins-de-semana e feriados. Pode soar ofensivo comparar esse bodo dado ao trabalhador, que são as férias, com umas borrifadelas de ócio entre duas semanas de trabalho. Mas isso é um erro de percepção. Chegar a sexta-feira é como desembarcar numa paradisíaca ilha de ócio rodeada de trabalho por todos os lados, para nos deitarmos à sombra de uma bananeira. Nada que ver com estar no 17ª dia de férias, que é antes do 18º e depois do 16º. Daí um dia de ócio no fim-de-semana ser como uma curta mas concentrada italiana. Ora, se um ano tem quarenta e oito semanas de trabalho e um fim-de-semana tem dois dias, isto vai dar noventa e seis dias em que não se trabalha, sem contar com os feriados, ou seja, mais do que o triplo dos dias de férias.
Podemos não mandar no Tempo mas como pequenos Prometeus ir a um dos seus bolsos recuperar o prazer do tempo roubado pelas férias. Melancolia de domingo? Neura de segunda-feira? Navegue-se durante a semana como no mar Egeu e veremos sempre a aparecer por ali perto uma ilha à nossa disposição.
A Ilha - josé ricardo costa
“Nas férias, o que o Tempo nos dá com uma mão, rouba-nos com a outra (...) corta os grilhões do sinistro calendário semanal e atira pela janela o despertador.
Não há volta a dar. Todos os anos, o fim das férias faz-nos regressar ao Gólgota depois de alguns dias de prazerosa ressurreição. Sendo o trabalho, como dizia Mark Twain, um mal necessário a ser evitado, as férias são a concretização desse desejo, sentindo o trabalhador o carinho do Tempo a embalá-lo numa sucessão de dias livres.
Mas chega o fatídico dia e lá vai o Tempo imitar o dr. Jekyll, entretanto transformado em perversa e sádica criatura que lança de novo o trabalhador para dentro das grades, ainda com vestígios de areia entre os dedos dos pés e de açúcar da bola de Berlim nos cantos da boca.
Depois, há coisas boas que só podemos fazer porque estamos de férias, há coisas aborrecidas que só somos obrigados a fazer por não estarmos de férias. Será possível sair deste círculo infernal? Sim, basta pensar um bocadinho na diferença entre comer bifes batatas fritas todos os dias ou comê-los durante dois dias depois de uma semana a pescada cozida com brócolos.
Nas férias, o que o Tempo nos dá com uma mão, rouba-nos com a outra. É verdade que corta os grilhões do sinistro calendário semanal e atira pela janela o despertador que esmurra diariamente os nossos ouvidos, livrando-nos da circularidade do tempo que põe a nossa cabeça a andar à roda entre a melancolia do final de domingo e a neura de segunda de manhã.
Mas não há bela sem senão e o senão tem aqui algum peso: um dia de férias é apenas um dia depois de outro dia de férias e um dia antes de outro dia de férias. Perfeitos se vistos em bloco mas caídos na irrelevância pela monótona sucessão dos dias iguais, assim um bocadinho como o vestuário dos betos nos congressos do CDS ou dos trinetos de Lenine na Festa do Avante.
Como diria S. Paulo, nas férias não há segunda nem sábado, quarta ou domingo, feriado ou dia útil pois todos nós estamos em Agosto. Bebem-se assim os dias como um café americano: um balde de um raquítico e aguado café que se vai bebendo através de goles sempre iguais e até distraidamente. Como diria, desta vez o sempre divertido Cioran: mascar tempo.
Se o tempo das férias é vivido sem interrupções, já o tempo de trabalho é todo o ano interrompido por dias de férias: os fins-de-semana e feriados. Pode soar ofensivo comparar esse bodo dado ao trabalhador, que são as férias, com umas borrifadelas de ócio entre duas semanas de trabalho. Mas isso é um erro de percepção. Chegar a sexta-feira é como desembarcar numa paradisíaca ilha de ócio rodeada de trabalho por todos os lados, para nos deitarmos à sombra de uma bananeira. Nada que ver com estar no 17ª dia de férias, que é antes do 18º e depois do 16º. Daí um dia de ócio no fim-de-semana ser como uma curta mas concentrada italiana. Ora, se um ano tem quarenta e oito semanas de trabalho e um fim-de-semana tem dois dias, isto vai dar noventa e seis dias em que não se trabalha, sem contar com os feriados, ou seja, mais do que o triplo dos dias de férias.
Podemos não mandar no Tempo mas como pequenos Prometeus ir a um dos seus bolsos recuperar o prazer do tempo roubado pelas férias. Melancolia de domingo? Neura de segunda-feira? Navegue-se durante a semana como no mar Egeu e veremos sempre a aparecer por ali perto uma ilha à nossa disposição.
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![]() Agora que nos estamos a aproximar, no calendário católico, da Páscoa, talvez valha a pena meditar nos versículos 36, 37 e 38, do Capítulo 18, do Evangelho de João. Depois de entregue a Pôncio Pilatos, Jesus respondeu à pergunta deste: Que fizeste? Dito de outro modo: de que és culpado? Ora, a resposta de Jesus é surpreendente: «O meu reino não é deste mundo. |
![]() Gisèle Pelicot vive e cresceu em França. Tem 71 anos. Casou-se aos 20 anos de idade com Dominique Pelicot, de 72 anos, hoje reformado. Teve dois filhos. Gisèle não sabia que a pessoa que escolheu para estar ao seu lado ao longo da vida a repudiava ao ponto de não suportar a ideia de não lhe fazer mal, tudo isto em segredo e com a ajuda de outros homens, que, como ele, viviam vidas aparentemente, parcialmente e eticamente comuns. |
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