O avô possível
Opinião » 2014-12-19 » Adelino Pires
A espera fez-se comigo na urgência a tratar das cruzes. O meu filho Diogo, futuro pai e o meu neto Vasco, futuro mano, ambos com algum nervoso e ainda menos juízo, lá mordiscavam a língua agarrados ao ipad naqueles jogos de faca e alguidar. As futuras tias, a Mariana, minha filhota e irmã do Diogo, acabadinha de chegar de Angola com ar arejado e a Andreia, irmã da Magda, minha nora, mais habituada a estas andanças, talvez falassem do enxoval da menina, das dores do parto, das cores do quarto.
O meu compadre Mota, avô galinha, falava a toda aquela gente daquele hospital, pois todos e todas o conheciam e tinham de ficar a saber que a Benedita estava a chegar. A minha mãe ia-me telefonando, acompanhando à distância as incidências do pré nascimento da sua bisneta. A Dora, minha boa companheira destes últimos seis anos, respeitava o momento, vivendo-o a sós.
As horas não passavam, cruzes canhoto. O Vasco já só pedia que o pai natal lhe trouxesse uma bazuca, uma espada e uma pistola. Ainda lhe falei num ou noutro livro, que o avô tinha muitos, alguns muito bonitos para a idade dele. Que não. Que não queria livros para nada. Só pistolas ou uma camisola do Nani.
Ao final da tarde lá chegou a Benedita. Bonita e expedita. Esqueci as cruzes, fechou-se o ipad, guardou-se a pistola e todos olharam para ela, embevecidos.
O Vasco e a Benedita só têm avós de voz grossa. As avós Helena e Cristina partiram há cinco anos, para longe, muito longe, e estariam também, naquele momento, algures para além das nuvens, olhando para os netos que vão ajudando a criar como podem e só elas sabem.
E eis senão quando, o Vasco, o terno guerreiro, percebeu que a irmã acabadinha de nascer, ficaria com a mãe Magda nessa noite no hospital. E agarrando-se de tal modo às pernas do pai Diogo, já não queria nem bazucas nem pistolas, já só queria que o deixassem levar a maninha com ele.
Foi aí que senti que nem os meus livros nem todas as pistolas do mundo o convenceriam a mudar de ideias. Afinal, o que o Vasco queria, era mesmo a Benedita. Nesse momento senti-me, apenas, o avô possível. Mas, sobretudo, um avô feliz.
O avô possível
Opinião » 2014-12-19 » Adelino PiresA espera fez-se comigo na urgência a tratar das cruzes. O meu filho Diogo, futuro pai e o meu neto Vasco, futuro mano, ambos com algum nervoso e ainda menos juízo, lá mordiscavam a língua agarrados ao ipad naqueles jogos de faca e alguidar. As futuras tias, a Mariana, minha filhota e irmã do Diogo, acabadinha de chegar de Angola com ar arejado e a Andreia, irmã da Magda, minha nora, mais habituada a estas andanças, talvez falassem do enxoval da menina, das dores do parto, das cores do quarto.
O meu compadre Mota, avô galinha, falava a toda aquela gente daquele hospital, pois todos e todas o conheciam e tinham de ficar a saber que a Benedita estava a chegar. A minha mãe ia-me telefonando, acompanhando à distância as incidências do pré nascimento da sua bisneta. A Dora, minha boa companheira destes últimos seis anos, respeitava o momento, vivendo-o a sós.
As horas não passavam, cruzes canhoto. O Vasco já só pedia que o pai natal lhe trouxesse uma bazuca, uma espada e uma pistola. Ainda lhe falei num ou noutro livro, que o avô tinha muitos, alguns muito bonitos para a idade dele. Que não. Que não queria livros para nada. Só pistolas ou uma camisola do Nani.
Ao final da tarde lá chegou a Benedita. Bonita e expedita. Esqueci as cruzes, fechou-se o ipad, guardou-se a pistola e todos olharam para ela, embevecidos.
O Vasco e a Benedita só têm avós de voz grossa. As avós Helena e Cristina partiram há cinco anos, para longe, muito longe, e estariam também, naquele momento, algures para além das nuvens, olhando para os netos que vão ajudando a criar como podem e só elas sabem.
E eis senão quando, o Vasco, o terno guerreiro, percebeu que a irmã acabadinha de nascer, ficaria com a mãe Magda nessa noite no hospital. E agarrando-se de tal modo às pernas do pai Diogo, já não queria nem bazucas nem pistolas, já só queria que o deixassem levar a maninha com ele.
Foi aí que senti que nem os meus livros nem todas as pistolas do mundo o convenceriam a mudar de ideias. Afinal, o que o Vasco queria, era mesmo a Benedita. Nesse momento senti-me, apenas, o avô possível. Mas, sobretudo, um avô feliz.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
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Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
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Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
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