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A máquina de lavar roupa ou dois dias em Pontevedra - josé ricardo costa

Opinião  »  2023-10-08  »  José Ricardo Costa

Estava sentado no meu sofá de leitura quando sou vítima de horrenda revelação. Ergo a cabeça na direcção da porta em frente e, com os olhos ainda amaciados por um trecho literário, vejo, aterrado, uma máquina de lavar roupa! Não, nada de paranormalidades, só mesmo porque a sala dá para a cozinha, onde a máquina esteve sempre como a torre de Belém em Belém em vez da Charneca de Alcorochel, e no mesmo campo visual dos livros, discos, e molduras que aproveitam o que sobrou de parede.

Agora a pergunta, que não é do milhão de dólares como agora se diz por tudo e por nada, mas de 50 cêntimos: como foi possível tantos anos diante do raio da máquina e só agora reparar nela? O hábito. O mesmo hábito que faz que com que se passe a olhar para uma coisa já sem a ver, como acontecia dantes com as pessoas casadas há 30 anos e as de agora ao fim de seis meses, levando-me a ver a máquina tão obviamente ali como uma maçã numa macieira, um crocodilo em África, ou André Pestana com ar alucinado aos gritos na Avenida da Liberdade.

Mas um absurdo, neste caso! Como é possível tal profanação visual no sagrado lugar onde me sento com os meus gregos, o meu Cervantes, o meu Eça a dar-me a mão pelo Chiado ou o Ramalhete?! Lugar onde segui a quase irreal filigrana estética de Des Esseints, onde penetrei no espírito de Pierre Bezukhov ou Isabel Archer, onde oiço Bach, Satie e Jarrett, e até onde a velhice espera por mim para me atirar de vez à Recherche que é o nome dado por intelectual que se preze ao Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust, para mostrar que o trata por tu, mesmo sem nunca o ter lido.

Ninguém imagina uma máquina de lavar numa biblioteca, surreal ideia da qual Bosch só nunca se lembrou porque no seu tempo ainda não havia electrodomésticos, embora seja hoje nome de electrodoméstico. Daí que a minha súbita revelação no sofá fosse equivalente para aí à de estar com um livro de arte a olhar embevecido para a Primavera de Botticelli e alguém atirar-lhe para cima um Correio da Manhã com a cara de André Ventura a meditar num cigano do Sporting que vota no PS e com vontade de mudar de sexo.

Os pesadelos aceitam-se, basta habituarmo-nos a eles. Também houve um tempo em que os torrejanos não estranhavam ver a rua Alexandre Herculano com trânsito ou o tabuleiro da praça 5 de Outubro cheio de carros. Façamos o exercício ao contrário: como iríamos reagir se um tresloucado futuro presidente de câmara fizesse regressar o trânsito à Alexandre Herculano e os carros ao tabuleiro da praça? Seria mais surpreendente do que ver Cristiano Ronaldo refugiar-se num mosteiro tibetano como Carlos V no mosteiro de Yuste, só que rodeado de fotografias suas com diferentes cortes de cabelo em vez de quadros de Ticiano.

Há anos que andava para ir a Pontevedra. Por três razões. 1. Visitar o Pazo de Lourizán, que há muito a minha livre imaginação decidiu ser o local onde decorre a acção da Sonata de Outono, de Valle Inclán, que já li duas vezes. 2. Para ver uma cidade que anda há anos nas bocas do mundo por ter expulsado o automóvel do centro. 3. Comer, ou antes, almoçar e jantar, pois os animais é que comem, embora algumas pessoas se esforcem para os imitar.

Pronto, o Pazo é de um edénico esplendor, ainda para mais em dia de um Outono perfeito para deambular pelo imenso e cerradíssimo bosque e luxuriante jardim botânico. Ali, não li duas vezes o livro, vi-o sei lá quantas vezes. Quanto ao terceiro objectivo, sim, dois dias de imaculado festim gastronómico cujo contributo para fazer a viagem de volta ainda mais apaziguado não é despiciendo, excelente palavra para ser usada por quem se acha com jeito para escrever.

Quanto ao segundo objectivo, confesso que comecei por ver o copo meio vazio devido a uma má gestão das expectativas. Estava à espera de uma cidade com mais área sem trânsito, embora excelente para umas caminhadas pelas margens do rio Lérez que nos levam até à Ilha das Esculturas, um grande parque que, num mundo mais justo, estaria também em Torres Novas para escapar aos escapes e ruído dos carros, e dos camiões nas variantes. Sim, há trânsito em Pontevedra, nada de míticas ilusões, o paraíso não existe.

Mas copo que encheu depois ver no hotel fotografias do “antes e depois” da cidade, como naqueles anúncios para a queda do cabelo ou emagrecer. Corajosa medida do alcaide ao acabar com o trânsito numa área bastante considerável da cidade, oferecendo-a a pessoas sem carros em vez de a carros com pessoas, o novo normal do centro de Pontevedra.

Quem sabe se os torrejanos do futuro não ficarão surpreendidos por ter havido um tempo em que barulhentos e poluidores blocos de chapa circulavam pela praça 5 de Outubro, Miguel Bombarda, Nuno Álvares, Carlos Reis ou Artur Gonçalves, subiam ao castelo e desciam o Salvador. Ideia tão absurda como estar a ler poesia diante de uma máquina de lavar roupa mesmo que não esteja a centrifugar, momento em que faz um barulho idêntico ao de certos carros e motas que ainda não fugiram do centro.

Ah, já agora, sim, claro, mudei o sítio do sofá.

 

 

 

 

 

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