Goodbye Marx - josé ricardo costa
Opinião » 2023-11-21 » José Ricardo Costa"CRÓNICA DE VIAGENS"
Apesar da sua grande importância durante o Império Romano, do qual há muitos vestígios, ou a Idade Média, Trier é hoje apenas uma simpática cidade da Renânia-Palatinado, bem encostadinha ao Luxemburgo. Banhada pelo rio Mosel, que segue o seu caminho até se juntar ao Reno, ali perto, em Coblenz, rodeada por altaneiros castelos, vendo-se ainda aconchegada por vinhedos dispostos em socalcos quase verticais – a lembrar o Douro - que nos oferecem excelentes Riesling que contribuem para a nossa felicidade em quentes noites de Verão.
O centro da cidade é muito Mitteleuropa. Deambula-se por ali como por Cracóvia, Poznan, Viena ou Bratislava, ruas limpas e bem ordenadas, casas antigas coloridas e tão bem conservadas como se acabadas de construir, não faltando edifícios de grande relevância histórica, sendo a romana Porta Nigra o mais imponente. E é próximo desta que vou dar com uma imponente estátua, cinco metros de Karl Marx diante dos meus olhos, motivo suficiente para beliscar o braço para lembrar que não se está em Tirana, Bucareste ou Karl Marx Stadt durante os anos 80 do século passado.
Sabia há muito que foi nesta cidade alemã que o autor de O Manifesto Comunista abriu os olhos pela primeira vez, ainda muito antes de contribuir para, sem querer, fechá-los a muita gente. Mas daí a apanhar com aquele colosso pela frente vai um grande passo. Soube então que fora inaugurada meses antes, uma oferta da República Popular da China para comemorar os 200 anos da abertura daquele par de olhos que assistiram a um século de grandes convulsões sociais e políticas.
Foi estranha a sensação de ver aquela enorme estátua em vez de uma simples placa evocativa, ou um busto como o que está no belíssimo cemitério de Highgate, no bucólico norte de Londres, onde Marx repousa junto de alguns familiares, habituados que estávamos a ver este tipo de estátua em países ditatoriais, de partido único, com temíveis polícias políticas, como era o caso da RDA, ali bem perto.
Mas se primeiro se estranha, depois entranha-se. E foi Nietzsche, com as suas célebres metamorfoses do espírito, que me ajudou a entranhar. Primeiro o camelo, atravessando o deserto com o seu pesado fardo, metáfora do espírito submisso e obediente. Foi o que aconteceu aos povos sob os regimes comunistas. Depois vem o leão que se revolta, substituindo o "Tu deves" por um "Eu quero". O que aconteceu quando o derrubaram. Por fim, a criança que na sua inocência e inconsciência já está para lá de tudo isso, transformando o peso em leveza. Percebe-se, pois, a naturalidade com que uma democracia liberal aceita aquela majestática estátua em Trier. Tal acontece porque não se trata de uma Alemanha traumatizada a precisar de matar um pai como aconteceu noutros países, tendo antes o nazismo como mancha histórica que precisou de renegar. Olha-se para aqueles cinco metros e em vez de um pai, de um ídolo, de uma ideia, de um farol, de um deus como aconteceria também com Lenine ou Estaline, o que hoje se vê é apenas uma marca histórica como a Porta Nigra, a Catedral, a Igreja de Nossa Senhora ou as Termas Romanas.
Marca que ainda me permitiu ver, no Museu da Cidade uma excelentemente montada exposição sobre o filósofo e economista, como se fosse sobre Thomas More em Londres, Maquiavel em Florença ou Richelieu em Paris. Tudo gente importante, pelas ideias ou acções mas apenas isso, gente que foi importante pelas ideias ou acções.
E gosto da ideia de poder olhar para a história através do que já não são mais do que indolores cicatrizes do que foram terríveis feridas. Tem o dr. Reich razão quando diz que não devemos erguer estátuas que não possam ser derrubadas. Mas não me parece mal erguer estátuas de alguém que apenas pensou e escreveu, e cujas ideias já não são invocadas para oprimir povos. Não gosto da estátua, mas apenas por razões estéticas. E é nessas águas que gosto de navegar, sobretudo quando protegidas de ideologias.
Goodbye Marx - josé ricardo costa
Opinião » 2023-11-21 » José Ricardo CostaCRÓNICA DE VIAGENS
Apesar da sua grande importância durante o Império Romano, do qual há muitos vestígios, ou a Idade Média, Trier é hoje apenas uma simpática cidade da Renânia-Palatinado, bem encostadinha ao Luxemburgo. Banhada pelo rio Mosel, que segue o seu caminho até se juntar ao Reno, ali perto, em Coblenz, rodeada por altaneiros castelos, vendo-se ainda aconchegada por vinhedos dispostos em socalcos quase verticais – a lembrar o Douro - que nos oferecem excelentes Riesling que contribuem para a nossa felicidade em quentes noites de Verão.
O centro da cidade é muito Mitteleuropa. Deambula-se por ali como por Cracóvia, Poznan, Viena ou Bratislava, ruas limpas e bem ordenadas, casas antigas coloridas e tão bem conservadas como se acabadas de construir, não faltando edifícios de grande relevância histórica, sendo a romana Porta Nigra o mais imponente. E é próximo desta que vou dar com uma imponente estátua, cinco metros de Karl Marx diante dos meus olhos, motivo suficiente para beliscar o braço para lembrar que não se está em Tirana, Bucareste ou Karl Marx Stadt durante os anos 80 do século passado.
Sabia há muito que foi nesta cidade alemã que o autor de O Manifesto Comunista abriu os olhos pela primeira vez, ainda muito antes de contribuir para, sem querer, fechá-los a muita gente. Mas daí a apanhar com aquele colosso pela frente vai um grande passo. Soube então que fora inaugurada meses antes, uma oferta da República Popular da China para comemorar os 200 anos da abertura daquele par de olhos que assistiram a um século de grandes convulsões sociais e políticas.
Foi estranha a sensação de ver aquela enorme estátua em vez de uma simples placa evocativa, ou um busto como o que está no belíssimo cemitério de Highgate, no bucólico norte de Londres, onde Marx repousa junto de alguns familiares, habituados que estávamos a ver este tipo de estátua em países ditatoriais, de partido único, com temíveis polícias políticas, como era o caso da RDA, ali bem perto.
Mas se primeiro se estranha, depois entranha-se. E foi Nietzsche, com as suas célebres metamorfoses do espírito, que me ajudou a entranhar. Primeiro o camelo, atravessando o deserto com o seu pesado fardo, metáfora do espírito submisso e obediente. Foi o que aconteceu aos povos sob os regimes comunistas. Depois vem o leão que se revolta, substituindo o "Tu deves" por um "Eu quero". O que aconteceu quando o derrubaram. Por fim, a criança que na sua inocência e inconsciência já está para lá de tudo isso, transformando o peso em leveza. Percebe-se, pois, a naturalidade com que uma democracia liberal aceita aquela majestática estátua em Trier. Tal acontece porque não se trata de uma Alemanha traumatizada a precisar de matar um pai como aconteceu noutros países, tendo antes o nazismo como mancha histórica que precisou de renegar. Olha-se para aqueles cinco metros e em vez de um pai, de um ídolo, de uma ideia, de um farol, de um deus como aconteceria também com Lenine ou Estaline, o que hoje se vê é apenas uma marca histórica como a Porta Nigra, a Catedral, a Igreja de Nossa Senhora ou as Termas Romanas.
Marca que ainda me permitiu ver, no Museu da Cidade uma excelentemente montada exposição sobre o filósofo e economista, como se fosse sobre Thomas More em Londres, Maquiavel em Florença ou Richelieu em Paris. Tudo gente importante, pelas ideias ou acções mas apenas isso, gente que foi importante pelas ideias ou acções.
E gosto da ideia de poder olhar para a história através do que já não são mais do que indolores cicatrizes do que foram terríveis feridas. Tem o dr. Reich razão quando diz que não devemos erguer estátuas que não possam ser derrubadas. Mas não me parece mal erguer estátuas de alguém que apenas pensou e escreveu, e cujas ideias já não são invocadas para oprimir povos. Não gosto da estátua, mas apenas por razões estéticas. E é nessas águas que gosto de navegar, sobretudo quando protegidas de ideologias.
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