Ir à Praça
Opinião » 2017-11-14 » José Ricardo Costa"Cá temos a praça como lugar onde se projecta espacialmente esta nova identidade"
Qualquer jovem de Lisboa sabe que ir “ao bairro” é Bairro Alto. No Porto, ir “ao palácio” é Palácio de Cristal. Em Torres Novas “ir à praça” é Praça 5 de Outubro. Mas houve um tempo em que a expressão tinha outro sentido: ir à 2ª feira comprar fruta, legumes, hortaliças, queijos, enchidos, animais, loiças, móveis em pinho e até a famosa banha da cobra ali em frente onde foi o Rogério. Isto, porque o mercado ocorria, como noutras terras, na sua praça mais nobre e central. E a coisa ficou tão impregnada nas mentes que ainda hoje pessoas mais velhas, graças a uma feliz casmurrice semântica, continuam a ir “à praça” de cestinha no braço.
Para um jovem de hoje, devido a uma nova fisionomia -e fisiologia- social e económica deste espaço urbano, “ir à praça” não tem que ver com matinais hortaliças ou necessidades quotidianas mas sair à noite e divertimento. Houve tempos em que, para além de ser uma zona habitada, havia uma loja de impressos e selos, armazém de tecidos, policlínica, papelaria, oculista, ourivesaria, posto de polícia, barbearia com jornais e revistas, fotógrafo, dois bancos (sim, dois!), um edifício institucional para o que desse e viesse e…uau!, sim, um restaurante, o incontornável Rogério. A vidinha “nine to five”. Depois, a grande metamorfose, não kafkiana, graças a Deus, mas mais tipo tender is the night: dois hotéis, cinema, posto de turismo, três restaurantes, cafés e bares com esplanadas e, vá, duas lojas, um banco, e este com bem menos funcionários a chegar de manhã e a sair à tarde por causa de quem já lá não vai porque faz tudo no Multibanco e na conta on line. E perda de residentes.
Aconteceu o mesmo que nos centros de outras cidades: uma perda da sua tradicional identidade social e económica, dando lugar a uma cultura de lazer, mudando a percepção da cidade. Assim um bocadinho como restaurar a casa de aldeia, transformando a velha horta num jardim com piscina e barbecue. Uma nova mentalidade, mais afastada das necessidades primárias, sendo maior a pulsão para o lazer e divertimento, cujo apogeu está no sair à noite.
Mentalidade mais urbana e iluminada, vindo substituir o lânguido lazer das tabernas, casas de pasto ou pacatos cafés de bairro, das tacinhas enquanto se vê os Portugal-Espanha em hóquei em patins, a preto e branco, que isto do mundo a cores era só para lá dos Pirinéus e a Benetton ainda iria demorar. Mentalidade com uma geografia mais pombalina, sendo até as bebedeiras mais cosmopolitas com os seus gins tónicos, shots, vodkas ou cervejas artesanais, em contraste com as ainda medievais ou pré-iluministas bebedeiras dos anos 60 com bagaço e carrascão, numa espécie de casamento entre a underground e ácida fuligem de Dickens com uma salazarista melancolia. E, pronto, cá temos a praça como lugar onde se projecta espacialmente esta nova identidade, após os anos de chumbo de meados de 70, em que viveu sem eira nem beira e aromatizada com charros, entre a ressaca do regime anterior e a europeização da pátria com a sua adesão à CEE. Que assim continue.
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Opinião » 2017-11-14 » José Ricardo CostaCá temos a praça como lugar onde se projecta espacialmente esta nova identidade
Qualquer jovem de Lisboa sabe que ir “ao bairro” é Bairro Alto. No Porto, ir “ao palácio” é Palácio de Cristal. Em Torres Novas “ir à praça” é Praça 5 de Outubro. Mas houve um tempo em que a expressão tinha outro sentido: ir à 2ª feira comprar fruta, legumes, hortaliças, queijos, enchidos, animais, loiças, móveis em pinho e até a famosa banha da cobra ali em frente onde foi o Rogério. Isto, porque o mercado ocorria, como noutras terras, na sua praça mais nobre e central. E a coisa ficou tão impregnada nas mentes que ainda hoje pessoas mais velhas, graças a uma feliz casmurrice semântica, continuam a ir “à praça” de cestinha no braço.
Para um jovem de hoje, devido a uma nova fisionomia -e fisiologia- social e económica deste espaço urbano, “ir à praça” não tem que ver com matinais hortaliças ou necessidades quotidianas mas sair à noite e divertimento. Houve tempos em que, para além de ser uma zona habitada, havia uma loja de impressos e selos, armazém de tecidos, policlínica, papelaria, oculista, ourivesaria, posto de polícia, barbearia com jornais e revistas, fotógrafo, dois bancos (sim, dois!), um edifício institucional para o que desse e viesse e…uau!, sim, um restaurante, o incontornável Rogério. A vidinha “nine to five”. Depois, a grande metamorfose, não kafkiana, graças a Deus, mas mais tipo tender is the night: dois hotéis, cinema, posto de turismo, três restaurantes, cafés e bares com esplanadas e, vá, duas lojas, um banco, e este com bem menos funcionários a chegar de manhã e a sair à tarde por causa de quem já lá não vai porque faz tudo no Multibanco e na conta on line. E perda de residentes.
Aconteceu o mesmo que nos centros de outras cidades: uma perda da sua tradicional identidade social e económica, dando lugar a uma cultura de lazer, mudando a percepção da cidade. Assim um bocadinho como restaurar a casa de aldeia, transformando a velha horta num jardim com piscina e barbecue. Uma nova mentalidade, mais afastada das necessidades primárias, sendo maior a pulsão para o lazer e divertimento, cujo apogeu está no sair à noite.
Mentalidade mais urbana e iluminada, vindo substituir o lânguido lazer das tabernas, casas de pasto ou pacatos cafés de bairro, das tacinhas enquanto se vê os Portugal-Espanha em hóquei em patins, a preto e branco, que isto do mundo a cores era só para lá dos Pirinéus e a Benetton ainda iria demorar. Mentalidade com uma geografia mais pombalina, sendo até as bebedeiras mais cosmopolitas com os seus gins tónicos, shots, vodkas ou cervejas artesanais, em contraste com as ainda medievais ou pré-iluministas bebedeiras dos anos 60 com bagaço e carrascão, numa espécie de casamento entre a underground e ácida fuligem de Dickens com uma salazarista melancolia. E, pronto, cá temos a praça como lugar onde se projecta espacialmente esta nova identidade, após os anos de chumbo de meados de 70, em que viveu sem eira nem beira e aromatizada com charros, entre a ressaca do regime anterior e a europeização da pátria com a sua adesão à CEE. Que assim continue.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
» Hélder Dias
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» 2024-03-08
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