Esta coisa de andar aos papéis...
Opinião » 2015-10-25 » Adelino Pires
Numa semana em que, literalmente, andei aos papéis, rebuscando e remexendo as centenas de cartas manuscritas que fui acumulando nestes anos de paixão pelo alfarrabismo, reli, deliciado algumas delas, com a paciência de um rato de biblioteca.
Não escondo que aqui ou ali, veio à tona a eterna dialética entre o bibliófilo que nunca terei sido e o alfarrabista em que acabei por me tornar. Ambos querem e desejam o melhor.
Foi uma semana em que revi cartas da Rainha Dona Amélia ou de Afonso Costa, de Raúl Brandão ou de Eugénio de Andrade. E também de tantos outros que escreviam o que sentiam, longe de imaginar que, algumas décadas depois, aquilo que escreveram com destinatário assumido seria assim “bisbilhotado”, mas que de outra forma, provavelmente se teria perdido, nunca tendo chegado a mãos certas. É também esse o papel do alfarrabista.
E porque muitas vezes, tantas vezes, a história se repete, não resisto a transcrever um excerto de uma das cartas que agora reencontrei, com mais de cem anos (de Setembro de 1911), onde já nessa altura se registavam e enalteciam os parcos recursos de um hospital e a nobreza de carácter de um profissional de saúde:
“... Reclamando contra deficiências existentes nos serviços technicos e administrativos do hospital Estephania, comunicou ao Exº Enfermeiro-mor, o Director da Enfermaria d’aquelle hospital o seguinte facto: “ Poucos tempos antes viera para a Enfermaria Particular, tambem a meu cargo, uma doente com hernia estrangulada que requeria urgencia operatoria. Assim o comprehendeu, e bem, o cirurgião de serviço, que empregou todos os esforços para executar o acto operatorio. Não tinha ajudantes. Mandou recados, telephonou para collegas que só obsequiosamente o poderiam vir auxiliar. Não tinha quem cloroformisasse e por ultimo também não dispunha de roupas e compressas esterilisadas. Esse cirurgião, muito novo, pouco experiente portanto, mas muito illustrado, venceu todas estas difficuldades e ainda as do acto operatorio, que não foram poucas, fazendo ferver as roupas e as compressas, substituindo o clorophormio por uma rachiasnesthesia e por fim lá arranjou um amigo que lhe serviu d’ajudante.
O exito foi completo. Mas deve-se consentir num primeiro hospital o que só poderá ser tolerado em logar sertanejo?” É Vª Exª, conforme se averiguou, esse cirurgião; e, por isso, com muita satisfação venho transmitir-lhe o justo louvor que lhe foi conferido pelo zelo, dedicação e superior competência tão notavelmente demonstrados nas circunstancias que o Director da Enfermaria refere...”
O cirurgião em causa foi o Dr. Artur Ricardo Jorge, de quem adquiri uma pequena parte do seu interessantíssimo espólio.
Como eu gosto de andar aos papéis...
(Adelino Correia-Pires, Outubro 2013)
Esta coisa de andar aos papéis...
Opinião » 2015-10-25 » Adelino PiresNuma semana em que, literalmente, andei aos papéis, rebuscando e remexendo as centenas de cartas manuscritas que fui acumulando nestes anos de paixão pelo alfarrabismo, reli, deliciado algumas delas, com a paciência de um rato de biblioteca.
Não escondo que aqui ou ali, veio à tona a eterna dialética entre o bibliófilo que nunca terei sido e o alfarrabista em que acabei por me tornar. Ambos querem e desejam o melhor.
Foi uma semana em que revi cartas da Rainha Dona Amélia ou de Afonso Costa, de Raúl Brandão ou de Eugénio de Andrade. E também de tantos outros que escreviam o que sentiam, longe de imaginar que, algumas décadas depois, aquilo que escreveram com destinatário assumido seria assim “bisbilhotado”, mas que de outra forma, provavelmente se teria perdido, nunca tendo chegado a mãos certas. É também esse o papel do alfarrabista.
E porque muitas vezes, tantas vezes, a história se repete, não resisto a transcrever um excerto de uma das cartas que agora reencontrei, com mais de cem anos (de Setembro de 1911), onde já nessa altura se registavam e enalteciam os parcos recursos de um hospital e a nobreza de carácter de um profissional de saúde:
“... Reclamando contra deficiências existentes nos serviços technicos e administrativos do hospital Estephania, comunicou ao Exº Enfermeiro-mor, o Director da Enfermaria d’aquelle hospital o seguinte facto: “ Poucos tempos antes viera para a Enfermaria Particular, tambem a meu cargo, uma doente com hernia estrangulada que requeria urgencia operatoria. Assim o comprehendeu, e bem, o cirurgião de serviço, que empregou todos os esforços para executar o acto operatorio. Não tinha ajudantes. Mandou recados, telephonou para collegas que só obsequiosamente o poderiam vir auxiliar. Não tinha quem cloroformisasse e por ultimo também não dispunha de roupas e compressas esterilisadas. Esse cirurgião, muito novo, pouco experiente portanto, mas muito illustrado, venceu todas estas difficuldades e ainda as do acto operatorio, que não foram poucas, fazendo ferver as roupas e as compressas, substituindo o clorophormio por uma rachiasnesthesia e por fim lá arranjou um amigo que lhe serviu d’ajudante.
O exito foi completo. Mas deve-se consentir num primeiro hospital o que só poderá ser tolerado em logar sertanejo?” É Vª Exª, conforme se averiguou, esse cirurgião; e, por isso, com muita satisfação venho transmitir-lhe o justo louvor que lhe foi conferido pelo zelo, dedicação e superior competência tão notavelmente demonstrados nas circunstancias que o Director da Enfermaria refere...”
O cirurgião em causa foi o Dr. Artur Ricardo Jorge, de quem adquiri uma pequena parte do seu interessantíssimo espólio.
Como eu gosto de andar aos papéis...
(Adelino Correia-Pires, Outubro 2013)
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
» Hélder Dias
O Flautista de Hamelin... |
» 2024-03-08
» Maria Augusta Torcato
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato |
» 2024-03-18
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» 2024-03-08
» Pedro Ferreira
A carne e os ossos - pedro borges ferreira |