Dannazione! - josé ricardo costa
"“Dou por mim a ler coisas tristíssimas, surpreendentes, repulsivas, revoltantes ou assustadoras que deixariam uma pessoa normal deprimida em dez segundos"
Rigoletto é bobo no palácio do duque de Mântua, ou seja, existe para fazer rir. Mas apagam-se as luzes da ribalta e eis que surge um outro homem: sensível, pai extremoso, chorando ainda a morte da única mulher que o amou. Rigoletto é vítima de uma condenação: ter que rir quando a vontade é tanta como a de André Ventura de adoptar duas criancinhas ciganas. Um triste destino, bem expresso na ária Pari Siamo, que o barítono faz alternar entre o lúgubre e o triste: Ó homens, ó natureza!/ Num vil celerado me tornastes!/ Que raiva, ser disforme!/ Que raiva, ser um bobo!/Não dever, não poder nada fazer senão rir!/ É-me vedado o privilégio de qualquer homem: o pranto!/ O meu amo, jovem, alegre,/ tão poderoso e belo,/meio adormecido me diz: bobo, faz-me rir!/ Tenho de me esforçar e consegui-lo!/ Ó Condenação [Dannazione]
Rigoletto ri para matar a fome. Percebo bem pois também tenho de fazer coisas que não me apetecia para matar a fome em vez de ser ela a matar-me a mim. O que já me faz alguma espécie é um mundo em que rimos porque das duas uma, ou andamos com uma botija de gás hilariante escondida no bolso ou padecemos de afecção pseudobulbar. Dizia o outro que se há coisa que dá vontade de chorar é ver um português a rir. Olhando à minha volta, generalizaria o espirituoso dito à cada vez mais imensa parte da humanidade que parece vítima de uma descontrolada sequência de risos múltiplos, alternando com a outra parte da humanidade que, não tendo grandes razões para rir, sofre de frigidez hilariante, o que não tem gracinha nenhuma.
O humor é uma coisa muito boa e até digo que antes queria morrer a rir no sofá a ver um filme dos Monty Phyton do que sozinho numa cama de hospital às três da manhã de olhar perdido num canal de televendas. De acordo com a vibrante psicologia cor-de-rosa que nos enche a mind dos pirolitos, rir é mesmo terapêutico e faz-nos viver mais anos, o que é simpático excepto naqueles casos em que se morre aos 30 ou 40 para ser só enterrado aos 80 ou 90. E todos sabemos, pelo senso comum, ou filosoficamente, como é o caso de Espinosa, que a alegria é preferível à tristeza e o que queremos é ver as pessoas de quem mais gostamos com razões para rir em vez de chorar.
De resto, a alegria é mesmo uma emoção básica do ser humano. Mas também existem outras cinco, tristeza, medo, nojo, surpresa e a raiva, todas elas importantes ou mesmo vitais, tendo cada uma delas a sua natural expressão facial. Mas dá-se o caso de andar tudo meio destrambelhado. Dou por mim a ler coisas tristíssimas, surpreendentes, repulsivas, revoltantes ou assustadoras que deixariam uma pessoa normal deprimida em dez segundos mas ditas por pessoas cuja única expressão que vemos chapada nos seus rostos é a de quem parece ter colada à cara uma daquelas máscaras do teatro grego com a boca virada para cima como se sofressem de paralisia facial.
Vejamos estas imagens - podiam ser dezenas – capturadas em pouco tempo no ecrã do meu telefone. Christina Lamb escreve um livro sobre vítimas de violação em conflitos e conta que todas as mulheres lhe disseram que preferiam ter morrido. Corrêa de Barros esteve na Ucrânia, falando do que por lá viu e Janis Kluge assume que tudo aponta para que a guerra vá continuar. Entretanto, Marci Shore, professora em Yale, teme que a Terceira Guerra Mundial já tenha começado e ainda de acordo com Sofia Santos, faltam milésimos de segundo para o mundo, neste caso, por razões ambientais, esticar o pernil. Só para variar um pouco o tema, embora não na tristeza, um casal sénior ilustra um artigo sobre uma terrível doença, o mieloma múltiplo
Pronto, uma pessoa lê isto e fica como se tivesse acabado de passar doze horas fechado na Cinemateca a ver filmes do Ingmar Bergman num dia de chuva. Já não aparece é ninguém, como dantes acontecia, a antever o fim do capitalismo, confirmando-se por esta amostra a velha ideia de que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo, o que também não é propriamente animador para o capitalismo, uma vez que se não houver mundo também não haverá lei da oferta e da procura, deixando-se assim de ir ao McDonald’s e à Zara.
Enfim, pessoas falando sobre dramáticos, terríveis ou mesmo apocalípticos problemas mas todas ligadas por um elemento comum: riem. Ou quando fotografadas para a entrevista, ou porque os jornais resolveram escolher fotografias em que estivessem a rir. E não, não me esqueci da fotografia com os dois divertidos secretários de estado norte-americanos de visita a Zelensky. Ambos riem todos contentes enquanto o presidente ucraniano, o único que ali é cómico, está sério. Num mundo cada vez mais condenado ao riso, conseguiu fugir à condenação do seu colega da ópera de Verdi, dispensando para os outros o papel de bobos. Não é coisa pouca.
Dannazione! - josé ricardo costa
“Dou por mim a ler coisas tristíssimas, surpreendentes, repulsivas, revoltantes ou assustadoras que deixariam uma pessoa normal deprimida em dez segundos
Rigoletto é bobo no palácio do duque de Mântua, ou seja, existe para fazer rir. Mas apagam-se as luzes da ribalta e eis que surge um outro homem: sensível, pai extremoso, chorando ainda a morte da única mulher que o amou. Rigoletto é vítima de uma condenação: ter que rir quando a vontade é tanta como a de André Ventura de adoptar duas criancinhas ciganas. Um triste destino, bem expresso na ária Pari Siamo, que o barítono faz alternar entre o lúgubre e o triste: Ó homens, ó natureza!/ Num vil celerado me tornastes!/ Que raiva, ser disforme!/ Que raiva, ser um bobo!/Não dever, não poder nada fazer senão rir!/ É-me vedado o privilégio de qualquer homem: o pranto!/ O meu amo, jovem, alegre,/ tão poderoso e belo,/meio adormecido me diz: bobo, faz-me rir!/ Tenho de me esforçar e consegui-lo!/ Ó Condenação [Dannazione]
Rigoletto ri para matar a fome. Percebo bem pois também tenho de fazer coisas que não me apetecia para matar a fome em vez de ser ela a matar-me a mim. O que já me faz alguma espécie é um mundo em que rimos porque das duas uma, ou andamos com uma botija de gás hilariante escondida no bolso ou padecemos de afecção pseudobulbar. Dizia o outro que se há coisa que dá vontade de chorar é ver um português a rir. Olhando à minha volta, generalizaria o espirituoso dito à cada vez mais imensa parte da humanidade que parece vítima de uma descontrolada sequência de risos múltiplos, alternando com a outra parte da humanidade que, não tendo grandes razões para rir, sofre de frigidez hilariante, o que não tem gracinha nenhuma.
O humor é uma coisa muito boa e até digo que antes queria morrer a rir no sofá a ver um filme dos Monty Phyton do que sozinho numa cama de hospital às três da manhã de olhar perdido num canal de televendas. De acordo com a vibrante psicologia cor-de-rosa que nos enche a mind dos pirolitos, rir é mesmo terapêutico e faz-nos viver mais anos, o que é simpático excepto naqueles casos em que se morre aos 30 ou 40 para ser só enterrado aos 80 ou 90. E todos sabemos, pelo senso comum, ou filosoficamente, como é o caso de Espinosa, que a alegria é preferível à tristeza e o que queremos é ver as pessoas de quem mais gostamos com razões para rir em vez de chorar.
De resto, a alegria é mesmo uma emoção básica do ser humano. Mas também existem outras cinco, tristeza, medo, nojo, surpresa e a raiva, todas elas importantes ou mesmo vitais, tendo cada uma delas a sua natural expressão facial. Mas dá-se o caso de andar tudo meio destrambelhado. Dou por mim a ler coisas tristíssimas, surpreendentes, repulsivas, revoltantes ou assustadoras que deixariam uma pessoa normal deprimida em dez segundos mas ditas por pessoas cuja única expressão que vemos chapada nos seus rostos é a de quem parece ter colada à cara uma daquelas máscaras do teatro grego com a boca virada para cima como se sofressem de paralisia facial.
Vejamos estas imagens - podiam ser dezenas – capturadas em pouco tempo no ecrã do meu telefone. Christina Lamb escreve um livro sobre vítimas de violação em conflitos e conta que todas as mulheres lhe disseram que preferiam ter morrido. Corrêa de Barros esteve na Ucrânia, falando do que por lá viu e Janis Kluge assume que tudo aponta para que a guerra vá continuar. Entretanto, Marci Shore, professora em Yale, teme que a Terceira Guerra Mundial já tenha começado e ainda de acordo com Sofia Santos, faltam milésimos de segundo para o mundo, neste caso, por razões ambientais, esticar o pernil. Só para variar um pouco o tema, embora não na tristeza, um casal sénior ilustra um artigo sobre uma terrível doença, o mieloma múltiplo
Pronto, uma pessoa lê isto e fica como se tivesse acabado de passar doze horas fechado na Cinemateca a ver filmes do Ingmar Bergman num dia de chuva. Já não aparece é ninguém, como dantes acontecia, a antever o fim do capitalismo, confirmando-se por esta amostra a velha ideia de que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo, o que também não é propriamente animador para o capitalismo, uma vez que se não houver mundo também não haverá lei da oferta e da procura, deixando-se assim de ir ao McDonald’s e à Zara.
Enfim, pessoas falando sobre dramáticos, terríveis ou mesmo apocalípticos problemas mas todas ligadas por um elemento comum: riem. Ou quando fotografadas para a entrevista, ou porque os jornais resolveram escolher fotografias em que estivessem a rir. E não, não me esqueci da fotografia com os dois divertidos secretários de estado norte-americanos de visita a Zelensky. Ambos riem todos contentes enquanto o presidente ucraniano, o único que ali é cómico, está sério. Num mundo cada vez mais condenado ao riso, conseguiu fugir à condenação do seu colega da ópera de Verdi, dispensando para os outros o papel de bobos. Não é coisa pouca.
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![]() Agora que nos estamos a aproximar, no calendário católico, da Páscoa, talvez valha a pena meditar nos versículos 36, 37 e 38, do Capítulo 18, do Evangelho de João. Depois de entregue a Pôncio Pilatos, Jesus respondeu à pergunta deste: Que fizeste? Dito de outro modo: de que és culpado? Ora, a resposta de Jesus é surpreendente: «O meu reino não é deste mundo. |
![]() Gisèle Pelicot vive e cresceu em França. Tem 71 anos. Casou-se aos 20 anos de idade com Dominique Pelicot, de 72 anos, hoje reformado. Teve dois filhos. Gisèle não sabia que a pessoa que escolheu para estar ao seu lado ao longo da vida a repudiava ao ponto de não suportar a ideia de não lhe fazer mal, tudo isto em segredo e com a ajuda de outros homens, que, como ele, viviam vidas aparentemente, parcialmente e eticamente comuns. |
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