• SOCIEDADE-  • CULTURA  • DESPORTO  • OPINIÃO
  Sábado, 27 Abril 2024    •      Directora: Inês Vidal; Director-adjunto: João Carlos Lopes    •      Estatuto Editorial    •      História do JT
   Pesquisar...
Ter.
 19° / 11°
Céu nublado com chuva fraca
Seg.
 19° / 9°
Céu nublado
Dom.
 18° / 7°
Períodos nublados com chuva fraca
Torres Novas
Hoje  18° / 9°
Períodos nublados com chuva fraca
       #Alcanena    #Entroncamento    #Golega    #Barquinha    #Constancia 

Dannazione! - josé ricardo costa

Opinião  »  2022-05-09  »  José Ricardo Costa

"“Dou por mim a ler coisas tristíssimas, surpreendentes, repulsivas, revoltantes ou assustadoras que deixariam uma pessoa normal deprimida em dez segundos"

Rigoletto é bobo no palácio do duque de Mântua, ou seja, existe para fazer rir. Mas apagam-se as luzes da ribalta e eis que surge um outro homem: sensível, pai extremoso, chorando ainda a morte da única mulher que o amou. Rigoletto é vítima de uma condenação: ter que rir quando a vontade é tanta como a de André Ventura de adoptar duas criancinhas ciganas. Um triste destino, bem expresso na ária Pari Siamo, que o barítono faz alternar entre o lúgubre e o triste: Ó homens, ó natureza!/ Num vil celerado me tornastes!/ Que raiva, ser disforme!/ Que raiva, ser um bobo!/Não dever, não poder nada fazer senão rir!/ É-me vedado o privilégio de qualquer homem: o pranto!/ O meu amo, jovem, alegre,/ tão poderoso e belo,/meio adormecido me diz: bobo, faz-me rir!/ Tenho de me esforçar e consegui-lo!/ Ó Condenação [Dannazione]

Rigoletto ri para matar a fome. Percebo bem pois também tenho de fazer coisas que não me apetecia para matar a fome em vez de ser ela a matar-me a mim. O que já me faz alguma espécie é um mundo em que rimos porque das duas uma, ou andamos com uma botija de gás hilariante escondida no bolso ou padecemos de afecção pseudobulbar. Dizia o outro que se há coisa que dá vontade de chorar é ver um português a rir. Olhando à minha volta, generalizaria o espirituoso dito à cada vez mais imensa parte da humanidade que parece vítima de uma descontrolada sequência de risos múltiplos, alternando com a outra parte da humanidade que, não tendo grandes razões para rir, sofre de frigidez hilariante, o que não tem gracinha nenhuma.

O humor é uma coisa muito boa e até digo que antes queria morrer a rir no sofá a ver um filme dos Monty Phyton do que sozinho numa cama de hospital às três da manhã de olhar perdido num canal de televendas. De acordo com a vibrante psicologia cor-de-rosa que nos enche a mind dos pirolitos, rir é mesmo terapêutico e faz-nos viver mais anos, o que é simpático excepto naqueles casos em que se morre aos 30 ou 40 para ser só enterrado aos 80 ou 90. E todos sabemos, pelo senso comum, ou filosoficamente, como é o caso de Espinosa, que a alegria é preferível à tristeza e o que queremos é ver as pessoas de quem mais gostamos com razões para rir em vez de chorar.

De resto, a alegria é mesmo uma emoção básica do ser humano. Mas também existem outras cinco, tristeza, medo, nojo, surpresa e a raiva, todas elas importantes ou mesmo vitais, tendo cada uma delas a sua natural expressão facial. Mas dá-se o caso de andar tudo meio destrambelhado. Dou por mim a ler coisas tristíssimas, surpreendentes, repulsivas, revoltantes ou assustadoras que deixariam uma pessoa normal deprimida em dez segundos mas ditas por pessoas cuja única expressão que vemos chapada nos seus rostos é a de quem parece ter colada à cara uma daquelas máscaras do teatro grego com a boca virada para cima como se sofressem de paralisia facial.

Vejamos estas imagens - podiam ser dezenas – capturadas em pouco tempo no ecrã do meu telefone. Christina Lamb escreve um livro sobre vítimas de violação em conflitos e conta que todas as mulheres lhe disseram que preferiam ter morrido. Corrêa de Barros esteve na Ucrânia, falando do que por lá viu e Janis Kluge assume que tudo aponta para que a guerra vá continuar. Entretanto, Marci Shore, professora em Yale, teme que a Terceira Guerra Mundial já tenha começado e ainda de acordo com Sofia Santos, faltam milésimos de segundo para o mundo, neste caso, por razões ambientais, esticar o pernil. Só para variar um pouco o tema, embora não na tristeza, um casal sénior ilustra um artigo sobre uma terrível doença, o mieloma múltiplo

Pronto, uma pessoa lê isto e fica como se tivesse acabado de passar doze horas fechado na Cinemateca a ver filmes do Ingmar Bergman num dia de chuva. Já não aparece é ninguém, como dantes acontecia, a antever o fim do capitalismo, confirmando-se por esta amostra a velha ideia de que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo, o que também não é propriamente animador para o capitalismo, uma vez que se não houver mundo também não haverá lei da oferta e da procura, deixando-se assim de ir ao McDonald’s e à Zara.

Enfim, pessoas falando sobre dramáticos, terríveis ou mesmo apocalípticos problemas mas todas ligadas por um elemento comum: riem. Ou quando fotografadas para a entrevista, ou porque os jornais resolveram escolher fotografias em que estivessem a rir. E não, não me esqueci da fotografia com os dois divertidos secretários de estado norte-americanos de visita a Zelensky. Ambos riem todos contentes enquanto o presidente ucraniano, o único que ali é cómico, está sério. Num mundo cada vez mais condenado ao riso, conseguiu fugir à condenação do seu colega da ópera de Verdi, dispensando para os outros o papel de bobos. Não é coisa pouca.

 



 


 

 

 Outras notícias - Opinião


O miúdo vai à frente »  2024-04-25  »  Hélder Dias

Família tradicional e luta do bem contra o mal - jorge carreira maia »  2024-04-24  »  Jorge Carreira Maia

A publicação do livro Identidade e Família – Entre a Consistência da Tradição e os Desafios da Modernidade, apresentado por Passos Coelho, gerou uma inusitada efervescência, o que foi uma vitória para os organizadores desta obra colectiva.
(ler mais...)


Caminho de Abril - maria augusta torcato »  2024-04-22  »  Maria Augusta Torcato

Olho para o meu caminho e fico contente. Acho mesmo que fiz o caminho de Abril. O caminho que Abril representa. No entanto, a realidade atual e os desafios diários levam-me a desejar muito que este caminho não seja esquecido, não por querer que ele se repita, mas para não nos darmos conta, quase sem tempo de manteiga nos dentes, que estamos, outra vez, lá muito atrás e há que fazer de novo o caminho com tudo o que isso implica e que hoje seria incompreensível e inaceitável.
(ler mais...)


As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia »  2024-04-10  »  Jorge Carreira Maia

Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores.
(ler mais...)


Eleições "livres"... »  2024-03-18  »  Hélder Dias

Este é o meu único mundo! - antónio mário santos »  2024-03-08  »  António Mário Santos

Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza.
(ler mais...)


Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato »  2024-03-08  »  Maria Augusta Torcato

Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente.
(ler mais...)


A crise das democracias liberais - jorge carreira maia »  2024-03-08  »  Jorge Carreira Maia

A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David.
(ler mais...)


A carne e os ossos - pedro borges ferreira »  2024-03-08  »  Pedro Ferreira

Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA.
(ler mais...)


O Flautista de Hamelin... »  2024-02-28  »  Hélder Dias
 Mais lidas - Opinião (últimos 30 dias)
»  2024-04-22  »  Maria Augusta Torcato Caminho de Abril - maria augusta torcato
»  2024-04-24  »  Jorge Carreira Maia Família tradicional e luta do bem contra o mal - jorge carreira maia
»  2024-04-25  »  Hélder Dias O miúdo vai à frente
»  2024-04-10  »  Jorge Carreira Maia As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia