Nascente do Almonda: uma Câmara fraca com os fortes - joão carlos lopes
1.Em Julho do ano passado, todas as forças políticas representadas na Assembleia Municipal de Torres Novas aprovaram uma recomendação à Câmara Municipal no sentido de o executivo encetar com a Renova um diálogo com vista a melhorar o acesso público à nascente do Rio Almonda. A petição, transformada em recomendação, chegou àquele órgão autárquico pela acção do grupo ambientalista torrejano “Um Colectivo”, tendo o presidente da assembleia municipal, José Trincão Marques, assumido a causa como de relevante interesse público e dos direitos públicos, patrocinando ele próprio a petição/recomendação.
Em termos gerais, a petição recomendava que a Câmara, com a Junta de freguesia envolvida, a de Pedrógão, concretizasse a arranjo da antiga estrada pública da povoação do Moinho da Fonte, que vai até próximo da nascente, promovesse pequenas acções de requalificação do local e que sensibilizasse a Renova a retirar a medonha e afrontosa rede metálica que veda a represa, substituindo-a por outra estrutura menos ostensiva e menos degradante, em termos estéticos, para o local.
O que parecia um programa de simples bom senso e equilíbrio levou a Renova, como se sabe, a enviar uma carta, na véspera da referida assembleia municipal, aos membros daquele órgão, num tom no mínimo pressionante e pouco consentâneo com o respeito político e institucional que uma grande empresa deve ter pelos representantes eleitos das populações. Como também se sabe, a assembleia não se deixou intimidar e aprovou a recomendação, o que constituiu uma tremenda posição política colectiva dos torrejanos em apoio do teor da recomendação. Foi a primeira vez, desde a sua fundação em 1940, que a empresa foi confrontada politicamente com a sua intransigência e com o poder fáctico que julga tudo permitir – foi este o entendimento político dos representantes do povo, na forma da deliberação aprovada.
Entretanto, já na Primavera seguinte, e na sequência de perguntas ao Governo sobre as questões legais que a empresa aduzia para insinuar o carácter privado da nascente, vieram os esclarecimentos da Agência Portuguesa do Ambiente, explicando que a água da nascente do rio Almonda é pública (a empresa apenas tem uma concessão para a sua utilização, que aliás teve de renegociar passados os 70 anos dessa concessão) e esclarecendo que a rede colocada a vedar a represa não fora objecto de qualquer autorização. A tudo isto a Câmara fez orelhas moucas. Aliás, o que fez foi gastar um milhão de euros num troço de pouco mais de dois quilómetros de estrada (que leva à fábrica antiga, no Moinho da Fonte), uma via cujo estado não era de facto uma prioridade face ao que há de mais urgente por esse concelho. Em termos práticos, o município estendeu uma avenida à Renova, uma avenida de um milhão de euros. Ao mesmo tempo, isentava a empresa do pagamento de 280 mil euros de taxas de obras.
Um ano passado depois da aprovação da recomendação pedia, portanto, uma explicação às partes envolvidas. Do executivo municipal, nem novas nem mandados. Nem se arranjou a estrada pública do Moinho da Fonte nem consta que tivesse havido alguma tentativa de sensibilizar a Renova a retirar a rede da vergonha, conforme sugeria a recomendação.
Optaram o grupo “Um Colectivo” e representantes do Movimento Pela Nossa Terra (António Rodrigues), CDU (Júlio Costa) e Bloco de Esquerda (Helena Pinto) por se encontrarem com a administração da Renova para saber da posição da empresa, não tendo comparecido ao encontro representantes do PS e do PSD que, tanto quanto se sabe, alegaram dificuldades de agenda. Sabe-se, do que foi transmitido pelos participantes, que a empresa continua acastelada na sua intransigência, insensível às pacíficas e equilibradas propostas de diálogo que tendam em acabar com a vergonha que é a envolvência da nascente do rio Almonda.
Por mais que a Renova reforce a aposta no criativo marketing que passa pelo apoio a performances artísticas de vanguarda e a vestir uma linguagem de modernidade, por mais que tente impor o que julga ser um poder absoluto sobre a questão da nascente (recorde-se que a própria represa foi construída sem licença, em 1940, tal como sem licença foi construído o edifício fabril sobre o leito do rio no início da década de 70, factos documentalmente comprovados e não opiniões ou ficções, o primeiro alvo de relatório, à época da Procuradoria Geral da República, no segundo caso a falta do prévio parecer obrigatório da Direcção-Geral dos Equipamentos Industriais, de cuja ausência o chefe de serviços da Câmara bem avisou), não pode travar a luta, que acabará vitoriosa, de quem pretende apenas um pouco de justiça. Os torrejanos não devem mais à Renova do que às outras empresas do concelho: ela paga-lhes a sua força de trabalho, que é um dever e não uma virtude, e apenas isso, e na conjugação desse contrato é possível o pecúlio de milhões de euros de lucros anuais. A Renova deve mais à comunidade: a utilização das águas do rio Almonda, milhões de metros de cúbicos de água anualmente sugados à nascente, em condições, e agora é uma opinião, francamente vantajosas para a dimensão e natureza do seu negócio.
2.Incontornável, a questão da mutilação de uma estátua de Santo António, autenticamente despejada, como alguém escreve nestas páginas, numa rotunda. Sem critério, de duvidoso apuro estético e até iconográfico. Recorde-se que, na altura, se levantaram vozes e oposições em primeiro lugar na contestação ao local (uma rotunda há muito consolidada nos seus conteúdos ornamentais e no seu conceito) e também ao facto de a estátua ter sido paga com dinheiros públicos quando o deveria ter sido pelos crentes e adeptos da religião a cujo panteão pertence o padroeiro de Lisboa, de Assentis ou de Riachos.
A mutilação da estátua foi, é evidente, uma acção radical e de uma ousadia política surpreendente (política, porque foi contra a decisão política que enquadrou a obra), embora toda a gente saiba que se enquadra numa tendência que noutros países europeus teve outra expressão e, sobretudo, grandes proporções.
Do outro lado, somam-se episódios que continuam a dar a ideia que se confunde maioria absoluta (que nem sequer dos votos foi) com poder absoluto e “ditadura democrática”, impondo até ao limiar do suportável decisões e medidas surreais (caso das “oliveiras dos pastorinhos”, entre outras intrujices do género que as antecederam), que afrontam a inteligência das pessoas, sem qualquer tipo de contemplação pelo apelo à verdade, pela chamada à razão, pela simples reflexão.
Assim, de um lado temos a radicalidade da imposição de medidas e decisões em forma de rolo compressor com o alibi da maioria absoluta, confundida, repita-se, com poder absoluto e dispensa do diálogo e do escrutínio democrático; do outro, a radicalidade da contestação política levada ao extremo, veementemente acusada de vandalismo, como seria de esperar (nada mais errado e redutor, entretanto, avaliar a acção como um acto de vandalismo). Nada de novo debaixo do sol.
Nascente do Almonda: uma Câmara fraca com os fortes - joão carlos lopes
1.Em Julho do ano passado, todas as forças políticas representadas na Assembleia Municipal de Torres Novas aprovaram uma recomendação à Câmara Municipal no sentido de o executivo encetar com a Renova um diálogo com vista a melhorar o acesso público à nascente do Rio Almonda. A petição, transformada em recomendação, chegou àquele órgão autárquico pela acção do grupo ambientalista torrejano “Um Colectivo”, tendo o presidente da assembleia municipal, José Trincão Marques, assumido a causa como de relevante interesse público e dos direitos públicos, patrocinando ele próprio a petição/recomendação.
Em termos gerais, a petição recomendava que a Câmara, com a Junta de freguesia envolvida, a de Pedrógão, concretizasse a arranjo da antiga estrada pública da povoação do Moinho da Fonte, que vai até próximo da nascente, promovesse pequenas acções de requalificação do local e que sensibilizasse a Renova a retirar a medonha e afrontosa rede metálica que veda a represa, substituindo-a por outra estrutura menos ostensiva e menos degradante, em termos estéticos, para o local.
O que parecia um programa de simples bom senso e equilíbrio levou a Renova, como se sabe, a enviar uma carta, na véspera da referida assembleia municipal, aos membros daquele órgão, num tom no mínimo pressionante e pouco consentâneo com o respeito político e institucional que uma grande empresa deve ter pelos representantes eleitos das populações. Como também se sabe, a assembleia não se deixou intimidar e aprovou a recomendação, o que constituiu uma tremenda posição política colectiva dos torrejanos em apoio do teor da recomendação. Foi a primeira vez, desde a sua fundação em 1940, que a empresa foi confrontada politicamente com a sua intransigência e com o poder fáctico que julga tudo permitir – foi este o entendimento político dos representantes do povo, na forma da deliberação aprovada.
Entretanto, já na Primavera seguinte, e na sequência de perguntas ao Governo sobre as questões legais que a empresa aduzia para insinuar o carácter privado da nascente, vieram os esclarecimentos da Agência Portuguesa do Ambiente, explicando que a água da nascente do rio Almonda é pública (a empresa apenas tem uma concessão para a sua utilização, que aliás teve de renegociar passados os 70 anos dessa concessão) e esclarecendo que a rede colocada a vedar a represa não fora objecto de qualquer autorização. A tudo isto a Câmara fez orelhas moucas. Aliás, o que fez foi gastar um milhão de euros num troço de pouco mais de dois quilómetros de estrada (que leva à fábrica antiga, no Moinho da Fonte), uma via cujo estado não era de facto uma prioridade face ao que há de mais urgente por esse concelho. Em termos práticos, o município estendeu uma avenida à Renova, uma avenida de um milhão de euros. Ao mesmo tempo, isentava a empresa do pagamento de 280 mil euros de taxas de obras.
Um ano passado depois da aprovação da recomendação pedia, portanto, uma explicação às partes envolvidas. Do executivo municipal, nem novas nem mandados. Nem se arranjou a estrada pública do Moinho da Fonte nem consta que tivesse havido alguma tentativa de sensibilizar a Renova a retirar a rede da vergonha, conforme sugeria a recomendação.
Optaram o grupo “Um Colectivo” e representantes do Movimento Pela Nossa Terra (António Rodrigues), CDU (Júlio Costa) e Bloco de Esquerda (Helena Pinto) por se encontrarem com a administração da Renova para saber da posição da empresa, não tendo comparecido ao encontro representantes do PS e do PSD que, tanto quanto se sabe, alegaram dificuldades de agenda. Sabe-se, do que foi transmitido pelos participantes, que a empresa continua acastelada na sua intransigência, insensível às pacíficas e equilibradas propostas de diálogo que tendam em acabar com a vergonha que é a envolvência da nascente do rio Almonda.
Por mais que a Renova reforce a aposta no criativo marketing que passa pelo apoio a performances artísticas de vanguarda e a vestir uma linguagem de modernidade, por mais que tente impor o que julga ser um poder absoluto sobre a questão da nascente (recorde-se que a própria represa foi construída sem licença, em 1940, tal como sem licença foi construído o edifício fabril sobre o leito do rio no início da década de 70, factos documentalmente comprovados e não opiniões ou ficções, o primeiro alvo de relatório, à época da Procuradoria Geral da República, no segundo caso a falta do prévio parecer obrigatório da Direcção-Geral dos Equipamentos Industriais, de cuja ausência o chefe de serviços da Câmara bem avisou), não pode travar a luta, que acabará vitoriosa, de quem pretende apenas um pouco de justiça. Os torrejanos não devem mais à Renova do que às outras empresas do concelho: ela paga-lhes a sua força de trabalho, que é um dever e não uma virtude, e apenas isso, e na conjugação desse contrato é possível o pecúlio de milhões de euros de lucros anuais. A Renova deve mais à comunidade: a utilização das águas do rio Almonda, milhões de metros de cúbicos de água anualmente sugados à nascente, em condições, e agora é uma opinião, francamente vantajosas para a dimensão e natureza do seu negócio.
2.Incontornável, a questão da mutilação de uma estátua de Santo António, autenticamente despejada, como alguém escreve nestas páginas, numa rotunda. Sem critério, de duvidoso apuro estético e até iconográfico. Recorde-se que, na altura, se levantaram vozes e oposições em primeiro lugar na contestação ao local (uma rotunda há muito consolidada nos seus conteúdos ornamentais e no seu conceito) e também ao facto de a estátua ter sido paga com dinheiros públicos quando o deveria ter sido pelos crentes e adeptos da religião a cujo panteão pertence o padroeiro de Lisboa, de Assentis ou de Riachos.
A mutilação da estátua foi, é evidente, uma acção radical e de uma ousadia política surpreendente (política, porque foi contra a decisão política que enquadrou a obra), embora toda a gente saiba que se enquadra numa tendência que noutros países europeus teve outra expressão e, sobretudo, grandes proporções.
Do outro lado, somam-se episódios que continuam a dar a ideia que se confunde maioria absoluta (que nem sequer dos votos foi) com poder absoluto e “ditadura democrática”, impondo até ao limiar do suportável decisões e medidas surreais (caso das “oliveiras dos pastorinhos”, entre outras intrujices do género que as antecederam), que afrontam a inteligência das pessoas, sem qualquer tipo de contemplação pelo apelo à verdade, pela chamada à razão, pela simples reflexão.
Assim, de um lado temos a radicalidade da imposição de medidas e decisões em forma de rolo compressor com o alibi da maioria absoluta, confundida, repita-se, com poder absoluto e dispensa do diálogo e do escrutínio democrático; do outro, a radicalidade da contestação política levada ao extremo, veementemente acusada de vandalismo, como seria de esperar (nada mais errado e redutor, entretanto, avaliar a acção como um acto de vandalismo). Nada de novo debaixo do sol.
![]() Agora que nos estamos a aproximar, no calendário católico, da Páscoa, talvez valha a pena meditar nos versículos 36, 37 e 38, do Capítulo 18, do Evangelho de João. Depois de entregue a Pôncio Pilatos, Jesus respondeu à pergunta deste: Que fizeste? Dito de outro modo: de que és culpado? Ora, a resposta de Jesus é surpreendente: «O meu reino não é deste mundo. |
![]() Gisèle Pelicot vive e cresceu em França. Tem 71 anos. Casou-se aos 20 anos de idade com Dominique Pelicot, de 72 anos, hoje reformado. Teve dois filhos. Gisèle não sabia que a pessoa que escolheu para estar ao seu lado ao longo da vida a repudiava ao ponto de não suportar a ideia de não lhe fazer mal, tudo isto em segredo e com a ajuda de outros homens, que, como ele, viviam vidas aparentemente, parcialmente e eticamente comuns. |
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![]() Deveria seguir-se a demolição do prédio que foi construído em cima do rio há mais de cinquenta anos e a libertação de terrenos junto da fábrica velha Estamos em tempo de cheias no nosso Rio Almonda. |
![]() Enquanto penso em como arrancar com este texto, só consigo imaginar o fartote que Joana Marques, humorista, faria com esta notícia. Tivesse eu jeito para piadas e poderia alvitrar já aqui duas ou três larachas, envolvendo papel higiénico e lavagem de honra, que a responsável pelo podcast Extremamente Desagradável faria com este assunto. |
![]() Chegou o ano do eleitorado concelhio, no sistema constitucional democrático em que vivemos, dizer da sua opinião sobre a política autárquica a que a gestão do município o sujeitou. O Partido Socialista governa desde as eleições de 12 de Dezembro de 1993, com duas figuras que se mantiveram na presidência, António Manuel de Oliveira Rodrigues (1994-2013), Pedro Paulo Ramos Ferreira (2013-2025), com o reforço deste último ter sido vice-presidente do primeiro nos seus três mandatos. |
![]() Coloquemos a questão: O que se está a passar no mundo? Factualmente, temos, para além da tragédia do Médio Oriente, a invasão russa da Ucrânia, o sólido crescimento internacional do poder chinês, o fenómeno Donald Trump e a periclitante saúde das democracias europeias. |
![]() Nos últimos dias do ano veio a revelação da descoberta de mais um trilho de pegadas de dinossauros na Serra de Aire. Neste canto do mundo, outras vidas que aqui andaram, foram deixando involuntariamente o seu rasto e na viagem dos tempos chegaram-se a nós e o passado encontra-se com o presente. |
![]() É um banco, talvez, feliz! Era uma vez um banco. Não. É um banco e um banco, talvez, feliz! E não. Não é um banco dos que nos desassossegam pelo que nos custam e cobram, mas dos que nos permitem sossegar, descansar. |
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