As Claques
"Não fala um caloiro. Tenho anos de jogos do C.D. Torres Novas, sou bacharel em Estádio da Luz "
Há quatro anos, naquela derradeira fase em que cada jogo é uma final, fui a Aveiro ver o Benfica-Arouca. Indo inocentemente para trás de uma baliza acabei engolido por uma ubérrima claque encarnada transformada num grupo de ménades em pleno desvario, que, apesar do meu cachecol também encarnado, fizeram-me sentir tão em casa como a atravessar o cruzamento de Shibuya em hora de ponta. Eu só queria mesmo era ver o jogo, vá, um jogo em que o Benfica ganhasse, e ganhou, mas cujo preço foi uma dor de cabeça, alguns sustos, e um estado de atordoamento como se em vez de massa cinzenta tivesse massa adepta dentro da cabeça.
Não fala um caloiro. Tenho anos de jogos do C.D. Torres Novas, sou bacharel em Estádio da Luz e até fiz uma cadeira, por sinal num domingo, no Euro 2004, quando o Nuno Gomes enviou nuestros hermanos para casa (eu sabia que um dia teria a oportunidade de escrever “nuestros hermanos”). Mas foi em Aveiro que me estreei a ver um jogo de futebol, corrijo, a tentar ver um jogo de futebol, por entre uma amálgama frenética de corpos e bandeiras, e sob uma pressão de cacofónicos fraseados que deixariam o saxofone do Anthony Braxton a morrer de inveja.
Daí saber que do que o genuíno adepto português gosta é de apreciar o jogo sentadinho no seu lugar, com uma certa circunspecção filosófica e felina atenção, tecendo um ou outro reflexivo comentário de perspicaz treinador de bancada. Houve um tempo, quando os jogos eram todos à mesma hora, em que o espírito analítico de muitos chegava ao ponto de ter um transístor colado ao ouvido para acompanhar, com a mesma atenção com que noutros tempos se ouvia a BBC ou a Rádio Portugal Livre em Argel, a evolução do marcador noutros campos. Atenção: não é um adepto frio e abúlico. Apenas reserva a catarse emocional para quando vale mesmo a pena, isto é, quando a equipa entra em campo, marca golo, faz pressing no meio campo adversário para virar um resultado, para assumir um veemente espírito crítico ou até de revolta face à equipa de arbitragem, o qual, só quem nada percebe de futebol confunde com os orwellianos dois minutos de ódio, no 1984. Não se trata de um distópico fanatismo, antes de uma reacção natural quando se conspira contra o seu clube, revelando o mesmo tipo de racionalidade ética de um cão que morde quando se sente ameaçado.
Daí o aparecimento das claques, copiadas de outras paragens, sendo tão genuinamente portuguesas como a coca-cola, virem pôr em causa a velha e discreta elegância da bancada, transformada num grotesco espaço carnavalesco que lembra certas telas de James Ensor ou certas assembleias gerais do Sporting. Nos antípodas, portanto, dessa melancólica via lusitana de ir fumando pensativos cigarros enquanto se sofre por dentro. Havia lá maneira mais portuguesa de ver futebol do que estar num FCP-Penafiel numa fria e chuvosa noite de Janeiro dos anos 80, com um estádio silenciado a ouvir Lourenço, o mítico trompetista do estádio das Antas, soprando pasos dobles, famosas árias de ópera ou êxitos de Tonicha, enquanto João Pinto passa para Bandeirinha, que faz arrancar Jorge Couto pela lateral até o esférico chegar a Kostadinov para a estocada final. A parte menos poética era só mesmo o Kostadinov marcar demasiadas vezes.
Com ou sem trompetista, um estádio português é povoado por indivíduos de rosto humano e não por hordas bárbaras, massas compactas que gostam de fazer espectáculo dentro do único espectáculo que interessa: o sinuoso destino do esférico rolando entre as quatro linhas.
As Claques
Não fala um caloiro. Tenho anos de jogos do C.D. Torres Novas, sou bacharel em Estádio da Luz
Há quatro anos, naquela derradeira fase em que cada jogo é uma final, fui a Aveiro ver o Benfica-Arouca. Indo inocentemente para trás de uma baliza acabei engolido por uma ubérrima claque encarnada transformada num grupo de ménades em pleno desvario, que, apesar do meu cachecol também encarnado, fizeram-me sentir tão em casa como a atravessar o cruzamento de Shibuya em hora de ponta. Eu só queria mesmo era ver o jogo, vá, um jogo em que o Benfica ganhasse, e ganhou, mas cujo preço foi uma dor de cabeça, alguns sustos, e um estado de atordoamento como se em vez de massa cinzenta tivesse massa adepta dentro da cabeça.
Não fala um caloiro. Tenho anos de jogos do C.D. Torres Novas, sou bacharel em Estádio da Luz e até fiz uma cadeira, por sinal num domingo, no Euro 2004, quando o Nuno Gomes enviou nuestros hermanos para casa (eu sabia que um dia teria a oportunidade de escrever “nuestros hermanos”). Mas foi em Aveiro que me estreei a ver um jogo de futebol, corrijo, a tentar ver um jogo de futebol, por entre uma amálgama frenética de corpos e bandeiras, e sob uma pressão de cacofónicos fraseados que deixariam o saxofone do Anthony Braxton a morrer de inveja.
Daí saber que do que o genuíno adepto português gosta é de apreciar o jogo sentadinho no seu lugar, com uma certa circunspecção filosófica e felina atenção, tecendo um ou outro reflexivo comentário de perspicaz treinador de bancada. Houve um tempo, quando os jogos eram todos à mesma hora, em que o espírito analítico de muitos chegava ao ponto de ter um transístor colado ao ouvido para acompanhar, com a mesma atenção com que noutros tempos se ouvia a BBC ou a Rádio Portugal Livre em Argel, a evolução do marcador noutros campos. Atenção: não é um adepto frio e abúlico. Apenas reserva a catarse emocional para quando vale mesmo a pena, isto é, quando a equipa entra em campo, marca golo, faz pressing no meio campo adversário para virar um resultado, para assumir um veemente espírito crítico ou até de revolta face à equipa de arbitragem, o qual, só quem nada percebe de futebol confunde com os orwellianos dois minutos de ódio, no 1984. Não se trata de um distópico fanatismo, antes de uma reacção natural quando se conspira contra o seu clube, revelando o mesmo tipo de racionalidade ética de um cão que morde quando se sente ameaçado.
Daí o aparecimento das claques, copiadas de outras paragens, sendo tão genuinamente portuguesas como a coca-cola, virem pôr em causa a velha e discreta elegância da bancada, transformada num grotesco espaço carnavalesco que lembra certas telas de James Ensor ou certas assembleias gerais do Sporting. Nos antípodas, portanto, dessa melancólica via lusitana de ir fumando pensativos cigarros enquanto se sofre por dentro. Havia lá maneira mais portuguesa de ver futebol do que estar num FCP-Penafiel numa fria e chuvosa noite de Janeiro dos anos 80, com um estádio silenciado a ouvir Lourenço, o mítico trompetista do estádio das Antas, soprando pasos dobles, famosas árias de ópera ou êxitos de Tonicha, enquanto João Pinto passa para Bandeirinha, que faz arrancar Jorge Couto pela lateral até o esférico chegar a Kostadinov para a estocada final. A parte menos poética era só mesmo o Kostadinov marcar demasiadas vezes.
Com ou sem trompetista, um estádio português é povoado por indivíduos de rosto humano e não por hordas bárbaras, massas compactas que gostam de fazer espectáculo dentro do único espectáculo que interessa: o sinuoso destino do esférico rolando entre as quatro linhas.
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