Deus 2.0
"Ao pensar nas minhas discussões liceais sobre a existência de Deus, entre imperiais e tremoços no café Portugal ..."
O problema da existência de Deus foi, até ao século XIX, tema incontornável da Filosofia, não havendo filósofo que não metesse a sua colherada nem que fosse para deitar veneno. Depois, quase recebeu a extrema-unção. Resistiram as diversas artes com grandes obras sobre a felicidade ou angústia de um mundo com ou sem Deus, mas foi sobretudo na agenda ideológica que se manteve mais animado, sendo Deus amigo ou inimigo conforme a cartilha política republicana, monárquica, integralista, fascista, anarco-sindicalista, comunista, socialista, democrata-cristã, católica progressista, sem esquecer a Carbonária que, antes de Al Gore, era o CO2 da igreja.
E não faltavam jovens católicos com avassaladoras crises de fé, sobretudo após leituras de obras como O Drama de Jean Barois, ou pelo triste e cruel espectáculo de um mundo incompatível com a ideia de um Deus misericordioso mas que mais parecia um surdo-mudo incapaz de comunicar por linguagem gestual. No final do século ainda houve alguma animação com manifestações à porta de cinemas por motivos religiosos, embora como reacção popular a uma imagem heterodoxa de Cristo ou Maria e não pela existência de Deus no seu mais sofisticado e perfumado sentido filosófico ou teológico.
Ao pensar agora nas minhas inflamadas discussões liceais sobre a existência de Deus, entre imperiais e tremoços no café Portugal ou entre imperiais e queijinhos amanteigados no Zé da Ana, combustadas pelas fervorosas jacobinices de um niilista russo do século XIX, vejo todo um mundo que se finou. O problema é hoje tão estimulante para um jovem como uma máquina de fazer gelo para um esquimó. Ao introduzi-lo nas aulas, na esperança de estimular alguma adrenalina mental, via alunos anestesiados com a mesma dose de abulia que os levaria a sacar do telemóvel perante um discurso parlamentar de Jorge Lacão sobre a reforma do Estado num programa a preto e branco ainda do tempo do Eládio Clímaco, na RTP Memória. Contrariamente a fait-divers cómicos sobre a Coreia do Norte, a existência de Deus não chega sequer a ser um problema desinteressante mas apenas um não-problema.
Mas consegui um bom truque culinário para inverter a situação: um modernaço e gourmet molho conceptual. Jogando com os conceitos de causalidade e acaso, exorto os garotos a imaginarem Deus como um super-hiper-mega-giga computador cósmico cuja base de dados contém tudo o que aconteceu, acontece e acontecerá no universo. Enfim, uma espertalhona versão high-tech da clássica e mais humilde noção de “omnisciência”. Nada que faça lembrar pais, filhos ou espíritos santos, conversa de catequese ou missa dominical, apenas e só um super-hiper-mega-giga computador cósmico, toma e embrulha! Vejo então caras limpas das vacuidades do Facebook e de vídeos estúpidos do Youtube e, agora sim, sinto pensamentos fervilhando dentro das cabeças com tão cool sugestão. Entretanto, eles discutem e eu já não me sinto o melancólico espectro de um niilista russo do século XIX que arrumava a existência de Deus na classe dos opiáceos e outras drogas duras. Sinto-me vivo e filosoficamente titilante e, graças a Deus, já desintoxicado dos não menos duros opiáceos contrários.
Deus 2.0
Ao pensar nas minhas discussões liceais sobre a existência de Deus, entre imperiais e tremoços no café Portugal ...
O problema da existência de Deus foi, até ao século XIX, tema incontornável da Filosofia, não havendo filósofo que não metesse a sua colherada nem que fosse para deitar veneno. Depois, quase recebeu a extrema-unção. Resistiram as diversas artes com grandes obras sobre a felicidade ou angústia de um mundo com ou sem Deus, mas foi sobretudo na agenda ideológica que se manteve mais animado, sendo Deus amigo ou inimigo conforme a cartilha política republicana, monárquica, integralista, fascista, anarco-sindicalista, comunista, socialista, democrata-cristã, católica progressista, sem esquecer a Carbonária que, antes de Al Gore, era o CO2 da igreja.
E não faltavam jovens católicos com avassaladoras crises de fé, sobretudo após leituras de obras como O Drama de Jean Barois, ou pelo triste e cruel espectáculo de um mundo incompatível com a ideia de um Deus misericordioso mas que mais parecia um surdo-mudo incapaz de comunicar por linguagem gestual. No final do século ainda houve alguma animação com manifestações à porta de cinemas por motivos religiosos, embora como reacção popular a uma imagem heterodoxa de Cristo ou Maria e não pela existência de Deus no seu mais sofisticado e perfumado sentido filosófico ou teológico.
Ao pensar agora nas minhas inflamadas discussões liceais sobre a existência de Deus, entre imperiais e tremoços no café Portugal ou entre imperiais e queijinhos amanteigados no Zé da Ana, combustadas pelas fervorosas jacobinices de um niilista russo do século XIX, vejo todo um mundo que se finou. O problema é hoje tão estimulante para um jovem como uma máquina de fazer gelo para um esquimó. Ao introduzi-lo nas aulas, na esperança de estimular alguma adrenalina mental, via alunos anestesiados com a mesma dose de abulia que os levaria a sacar do telemóvel perante um discurso parlamentar de Jorge Lacão sobre a reforma do Estado num programa a preto e branco ainda do tempo do Eládio Clímaco, na RTP Memória. Contrariamente a fait-divers cómicos sobre a Coreia do Norte, a existência de Deus não chega sequer a ser um problema desinteressante mas apenas um não-problema.
Mas consegui um bom truque culinário para inverter a situação: um modernaço e gourmet molho conceptual. Jogando com os conceitos de causalidade e acaso, exorto os garotos a imaginarem Deus como um super-hiper-mega-giga computador cósmico cuja base de dados contém tudo o que aconteceu, acontece e acontecerá no universo. Enfim, uma espertalhona versão high-tech da clássica e mais humilde noção de “omnisciência”. Nada que faça lembrar pais, filhos ou espíritos santos, conversa de catequese ou missa dominical, apenas e só um super-hiper-mega-giga computador cósmico, toma e embrulha! Vejo então caras limpas das vacuidades do Facebook e de vídeos estúpidos do Youtube e, agora sim, sinto pensamentos fervilhando dentro das cabeças com tão cool sugestão. Entretanto, eles discutem e eu já não me sinto o melancólico espectro de um niilista russo do século XIX que arrumava a existência de Deus na classe dos opiáceos e outras drogas duras. Sinto-me vivo e filosoficamente titilante e, graças a Deus, já desintoxicado dos não menos duros opiáceos contrários.
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Em 2012, o psicólogo social Jonathan Haidt publicou a obra A Mente Justa: Porque as Pessoas Boas não se Entendem sobre Política e Religião. Esta obra é fundamental porque nos ajuda a compreender um dos dramas que assolam os países ocidentais, cujas democracias se estruturam, ainda hoje, pela dicotomia esquerda–direita. |
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
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Direita e Esquerda, uma questão de sabores morais |