O Derbi
Opinião » 2017-12-13 » José Ricardo Costa"Por esta altura já o quintal do José Maria se metamorfoseara em estádio cuja olímpica dimensão fazia inveja a muito campo da 1ª divisão"
No dia em que os meus pais casaram era de jogo no Almonda Parque. Despachado o almoço da praxe, foram então os noivos, alegremente seguidos pelos engalanados convidados, rumo ao também chamado quintal do José Maria. O meu pai podia não ser doente do esférico mas era homem de suas rotinas, sendo domingo de futebol uma delas. Fazia sentido. No lânguido quotidiano de uma vila onde pouco acontecia, sem televisão, sem carro e sem shoppings, o futebol dominical era o safanão perfeito no ramerrame semanal, nem que fosse para chamar, com filosófico espírito crítico e descargo de opiladas consciências, filho da puta ao fiscal de linha ou cabeça de Vila Franca ao árbitro.
A ser assim, e num mundo que acabava na Barreira Alva e ainda sem bandeiras nacionais à janela pela selecção, apenas colchas em dia de procissão ou de Américo Thomaz, a devoção ao clube da terra tinha uma importância quase totémica, a qual ainda serve para explicar a importância, anos depois, de grandes dérbies como Torres Novas-U.Tomar ou, já mais tarde, Torres Novas-Riachense. Clássicos em que a exaltação dos ânimos (e por vezes dos corpos), tinha uma dimensão agónica, como aconteceu na cínica espera, em plena ágora riachense, da comitiva torrejana que regressava de Marinhais, onde se jogava a subida de divisão, mas em condição oposta à dos gregos vindos de Tróia.
Por esta altura já o quintal do José Maria se metamorfoseara em estádio cuja olímpica dimensão fazia inveja a muito campo da 1ª divisão. Mas o mundo haveria de se metamorfosear ainda mais, tornando cada vez mais anémico o devoto sentimento pelas paroquiais disputas do esférico, relegando o vaidoso estádio, não obstante o entretanto já verde esplendor da relva, para uma pelada insignificância. Uma imprensa desportiva diária mas, sobretudo, uma televisão que, em tempos de Alves dos Santos e Nuno Brás, só dava direito a dominicais resumos antes da meditação e do hino pátrio, tornou o futebol, nacional e europeu, jogado e não jogado, tão familiar como a telenovela diária, com os seus heróis e vilões, num mundo já tornado aldeia global. Hoje já não se é só do Benfica, Sporting ou Porto mas, de Torres Novas à Indonésia, e de camisola vestida Made in China, do Chelsea, Manchester ou Real Madrid, os quais jogadores deixaram de ser mitos para passarem a ser apenas ídolos com pés e brincos de ouro que seguimos diariamente no Facebook, Instagram ou Twitter, com entusiasmado fastio.
A exportação lusitana também teve o seu papel neste processo de vestir cores que não apenas as vermelhas e verdes dos matraquilhos. O PSG de Humberto Coelho ou o Salamanca de João Alves foram só um primeiro sinal dos actuais júbilos com o United de Mourinho, o Monaco de Jardim e João Coutinho, o Watford de Marco Silva, o Lille de Edgar Ié ou o Dortmund de Guerreiro. E hoje os verdadeiros derbies, para além dos nacionais do costume, são um City-United ou um Barcelona-Real Madrid para ver em directo na Sport TV. Um Torres Novas-Riachense, esse, passou a ser apenas um Torres Novas-Riachense numa relva cujo esplendor, como diria Wordsworth, está para sempre afastado do nosso olhar.
O Derbi
Opinião » 2017-12-13 » José Ricardo CostaPor esta altura já o quintal do José Maria se metamorfoseara em estádio cuja olímpica dimensão fazia inveja a muito campo da 1ª divisão
No dia em que os meus pais casaram era de jogo no Almonda Parque. Despachado o almoço da praxe, foram então os noivos, alegremente seguidos pelos engalanados convidados, rumo ao também chamado quintal do José Maria. O meu pai podia não ser doente do esférico mas era homem de suas rotinas, sendo domingo de futebol uma delas. Fazia sentido. No lânguido quotidiano de uma vila onde pouco acontecia, sem televisão, sem carro e sem shoppings, o futebol dominical era o safanão perfeito no ramerrame semanal, nem que fosse para chamar, com filosófico espírito crítico e descargo de opiladas consciências, filho da puta ao fiscal de linha ou cabeça de Vila Franca ao árbitro.
A ser assim, e num mundo que acabava na Barreira Alva e ainda sem bandeiras nacionais à janela pela selecção, apenas colchas em dia de procissão ou de Américo Thomaz, a devoção ao clube da terra tinha uma importância quase totémica, a qual ainda serve para explicar a importância, anos depois, de grandes dérbies como Torres Novas-U.Tomar ou, já mais tarde, Torres Novas-Riachense. Clássicos em que a exaltação dos ânimos (e por vezes dos corpos), tinha uma dimensão agónica, como aconteceu na cínica espera, em plena ágora riachense, da comitiva torrejana que regressava de Marinhais, onde se jogava a subida de divisão, mas em condição oposta à dos gregos vindos de Tróia.
Por esta altura já o quintal do José Maria se metamorfoseara em estádio cuja olímpica dimensão fazia inveja a muito campo da 1ª divisão. Mas o mundo haveria de se metamorfosear ainda mais, tornando cada vez mais anémico o devoto sentimento pelas paroquiais disputas do esférico, relegando o vaidoso estádio, não obstante o entretanto já verde esplendor da relva, para uma pelada insignificância. Uma imprensa desportiva diária mas, sobretudo, uma televisão que, em tempos de Alves dos Santos e Nuno Brás, só dava direito a dominicais resumos antes da meditação e do hino pátrio, tornou o futebol, nacional e europeu, jogado e não jogado, tão familiar como a telenovela diária, com os seus heróis e vilões, num mundo já tornado aldeia global. Hoje já não se é só do Benfica, Sporting ou Porto mas, de Torres Novas à Indonésia, e de camisola vestida Made in China, do Chelsea, Manchester ou Real Madrid, os quais jogadores deixaram de ser mitos para passarem a ser apenas ídolos com pés e brincos de ouro que seguimos diariamente no Facebook, Instagram ou Twitter, com entusiasmado fastio.
A exportação lusitana também teve o seu papel neste processo de vestir cores que não apenas as vermelhas e verdes dos matraquilhos. O PSG de Humberto Coelho ou o Salamanca de João Alves foram só um primeiro sinal dos actuais júbilos com o United de Mourinho, o Monaco de Jardim e João Coutinho, o Watford de Marco Silva, o Lille de Edgar Ié ou o Dortmund de Guerreiro. E hoje os verdadeiros derbies, para além dos nacionais do costume, são um City-United ou um Barcelona-Real Madrid para ver em directo na Sport TV. Um Torres Novas-Riachense, esse, passou a ser apenas um Torres Novas-Riachense numa relva cujo esplendor, como diria Wordsworth, está para sempre afastado do nosso olhar.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
|
Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |