Na mouche - josé ricardo costa
Opinião » 2021-02-22 » José Ricardo Costa"“Torres Novas com a sua mediana clareza não engana ninguém, pois se nunca chegamos bem a perceber o que é suficientemente grande ou pequeno."
Quando saí de Torres Novas para ir estudar em Lisboa já sabia que iria depois sair de Lisboa para vir trabalhar em Torres Novas. A primeira razão para voltar foi de natureza umbilical: eu ser de Torres Novas como outros são de Mangualde ou Famalicão. Ora, sendo uma razão importante, não é, todavia, razão suficiente. A outra razão que serve para explicar o meu desejo de regressar será a que também explica o facto de a maioria dos jovens não o desejar.
Já me passaram pelas mãos muitos alunos. Quantos regressam depois de sair? Bem, um jovem que sai para estudar engenharia aeronáutica não terá um auspicioso futuro em Torres Novas. Mas nem é preciso ir tão longe, basta pensar não termos dimensão social e económica para absorver centenas de economistas, médicos, engenheiros, psicólogos, farmacêuticos, arquitectos, agrónomos ou relações públicas. Os jovens fazem-se à vida mas a vida nem sempre passa por aqui. Seja como for, podiam não voltar mas, ainda assim, desejarem voltar e fazerem-no se pudessem. O facto de não poder ver o Benfica campeão europeu não me tira o desejo de o ver. Porém, não é esse o caso pois não voltam nem é coisa que lhes apeteça.
A outra razão que me fez voltar foi, digamos, idiossincrática: acreditar que viveria melhor numa terra cuja mediania tanto evita a cansativa grandeza de uma cidade como a aborrecida pequenez de uma aldeia. Mas também podemos ver o argumento ao contrário: uma terra a cuja mediania falta, para alguns, a excitante grandeza de uma cidade, enquanto para outros faltará a idílica e bucólica pequenez de uma aldeia. A habitual história do copo meio cheio ou meio vazio, conforme as expectativas.
Acontece que o peso da mediania torrejana é mais claro do que o peso relativo da grandeza da cidade ou da pequenez da aldeia. É mais excitante viver em Braga ou Coimbra do que em Torres Novas? Sem dúvida. Mas não serão demasiado pequenas quando comparadas com o Porto? E um lisboeta, habituado que está à grandeza da capital, não verá o Porto demasiado provinciano para o seu gosto? Mas também é preciso ver a distância a que está a urbana excitação de Lisboa da movida madrilena. Mas pobre Madrid face ao cosmopolitismo de Londres ou Berlim, as quais ficarão sempre a perder ao medirem forças com a cidade que nunca dorme no outro lado do Atlântico. E se então pensarmos em Las Vegas… E fico cansado, uf, só de pensar nesta arrebatadora escalada de selvática excitação urbana.
Acontece o mesmo, mas ao contrário, com quem procura a paz campestre. Uma vila como Riachos será uma boa alternativa para quem deseje mais sossego do que em Torres Novas. Não suficiente, todavia, para quem procura uma pacatez que pode ser encontrada em Assentiz ou Vale da Serra. Mas por poucos habitantes que lá se encontrem, serão ainda demasiados para quem precise de mais recato. Talvez então uma quinta. Mas viver numa quinta implica ter que por vezes se deslocar ao mundo fora dela. Neste caso, o melhor seria mesmo um mosteiro mas haverá ainda quem não se dê por satisfeito e só aceite um mosteiro onde se faça voto de silêncio ou então construir uma cabana algures perdida numa ilha da Papua-Nova Guiné ou no sopé dos Himalaias. E quase adormeço só de pensar nesta nirvânica escalada de tranquilidade zen.
Torres Novas, neste sentido, é o que é sem tirar nem pôr. Ou melhor, o que Torres Novas é, é sobretudo marcado pelo que não é. É como um adolescente com a sua dupla negativa: já não ser criança mas também não ser ainda adulto. No caso da nossa terra, é já não ser aldeia mas sem ser ainda cidade. A diferença é que enquanto a dupla negativa torna o adolescente meio indefinido, Torres Novas com a sua mediana clareza não engana ninguém, pois se nunca chegamos bem a perceber o que é suficientemente grande ou pequeno, sabemos bem o que é suficientemente suficiente, neste caso, o que queremos para não sermos uma aldeia mas também o que não queremos para não sermos uma cidade. Se eu disser que todos os cisnes são brancos porque só vejo cisnes brancos, continuar a vê-los brancos jamais me confirmará de que todos o são pois haverá sempre a possibilidade de existir algum que ainda não tivesse visto. Mas basta ver um cisne que não seja branco para saber, com toda a certeza, ser falso que todos os cisnes sejam brancos. Pois, é esta negação que dá a Torres Novas, a certeza da sua identidade.
Em tempos, certamente numa manhã terrível após uma noite de bebedeira, alguém se lembrou de epitetar Torres Novas como cidade no centro do progresso. Não: o que marca Torres Novas, com a sua dourada mediania, é progredir eternamente para o centro, uma espécie de espiral que avança mas voltando sempre ao seu centro do qual teima em não se afastar.
“Torres Novas com a sua mediana clareza não engana ninguém, pois se nunca chegamos bem a perceber o que é suficientemente grande ou pequeno.
Na mouche - josé ricardo costa
Opinião » 2021-02-22 » José Ricardo Costa“Torres Novas com a sua mediana clareza não engana ninguém, pois se nunca chegamos bem a perceber o que é suficientemente grande ou pequeno.
Quando saí de Torres Novas para ir estudar em Lisboa já sabia que iria depois sair de Lisboa para vir trabalhar em Torres Novas. A primeira razão para voltar foi de natureza umbilical: eu ser de Torres Novas como outros são de Mangualde ou Famalicão. Ora, sendo uma razão importante, não é, todavia, razão suficiente. A outra razão que serve para explicar o meu desejo de regressar será a que também explica o facto de a maioria dos jovens não o desejar.
Já me passaram pelas mãos muitos alunos. Quantos regressam depois de sair? Bem, um jovem que sai para estudar engenharia aeronáutica não terá um auspicioso futuro em Torres Novas. Mas nem é preciso ir tão longe, basta pensar não termos dimensão social e económica para absorver centenas de economistas, médicos, engenheiros, psicólogos, farmacêuticos, arquitectos, agrónomos ou relações públicas. Os jovens fazem-se à vida mas a vida nem sempre passa por aqui. Seja como for, podiam não voltar mas, ainda assim, desejarem voltar e fazerem-no se pudessem. O facto de não poder ver o Benfica campeão europeu não me tira o desejo de o ver. Porém, não é esse o caso pois não voltam nem é coisa que lhes apeteça.
A outra razão que me fez voltar foi, digamos, idiossincrática: acreditar que viveria melhor numa terra cuja mediania tanto evita a cansativa grandeza de uma cidade como a aborrecida pequenez de uma aldeia. Mas também podemos ver o argumento ao contrário: uma terra a cuja mediania falta, para alguns, a excitante grandeza de uma cidade, enquanto para outros faltará a idílica e bucólica pequenez de uma aldeia. A habitual história do copo meio cheio ou meio vazio, conforme as expectativas.
Acontece que o peso da mediania torrejana é mais claro do que o peso relativo da grandeza da cidade ou da pequenez da aldeia. É mais excitante viver em Braga ou Coimbra do que em Torres Novas? Sem dúvida. Mas não serão demasiado pequenas quando comparadas com o Porto? E um lisboeta, habituado que está à grandeza da capital, não verá o Porto demasiado provinciano para o seu gosto? Mas também é preciso ver a distância a que está a urbana excitação de Lisboa da movida madrilena. Mas pobre Madrid face ao cosmopolitismo de Londres ou Berlim, as quais ficarão sempre a perder ao medirem forças com a cidade que nunca dorme no outro lado do Atlântico. E se então pensarmos em Las Vegas… E fico cansado, uf, só de pensar nesta arrebatadora escalada de selvática excitação urbana.
Acontece o mesmo, mas ao contrário, com quem procura a paz campestre. Uma vila como Riachos será uma boa alternativa para quem deseje mais sossego do que em Torres Novas. Não suficiente, todavia, para quem procura uma pacatez que pode ser encontrada em Assentiz ou Vale da Serra. Mas por poucos habitantes que lá se encontrem, serão ainda demasiados para quem precise de mais recato. Talvez então uma quinta. Mas viver numa quinta implica ter que por vezes se deslocar ao mundo fora dela. Neste caso, o melhor seria mesmo um mosteiro mas haverá ainda quem não se dê por satisfeito e só aceite um mosteiro onde se faça voto de silêncio ou então construir uma cabana algures perdida numa ilha da Papua-Nova Guiné ou no sopé dos Himalaias. E quase adormeço só de pensar nesta nirvânica escalada de tranquilidade zen.
Torres Novas, neste sentido, é o que é sem tirar nem pôr. Ou melhor, o que Torres Novas é, é sobretudo marcado pelo que não é. É como um adolescente com a sua dupla negativa: já não ser criança mas também não ser ainda adulto. No caso da nossa terra, é já não ser aldeia mas sem ser ainda cidade. A diferença é que enquanto a dupla negativa torna o adolescente meio indefinido, Torres Novas com a sua mediana clareza não engana ninguém, pois se nunca chegamos bem a perceber o que é suficientemente grande ou pequeno, sabemos bem o que é suficientemente suficiente, neste caso, o que queremos para não sermos uma aldeia mas também o que não queremos para não sermos uma cidade. Se eu disser que todos os cisnes são brancos porque só vejo cisnes brancos, continuar a vê-los brancos jamais me confirmará de que todos o são pois haverá sempre a possibilidade de existir algum que ainda não tivesse visto. Mas basta ver um cisne que não seja branco para saber, com toda a certeza, ser falso que todos os cisnes sejam brancos. Pois, é esta negação que dá a Torres Novas, a certeza da sua identidade.
Em tempos, certamente numa manhã terrível após uma noite de bebedeira, alguém se lembrou de epitetar Torres Novas como cidade no centro do progresso. Não: o que marca Torres Novas, com a sua dourada mediania, é progredir eternamente para o centro, uma espécie de espiral que avança mas voltando sempre ao seu centro do qual teima em não se afastar.
“Torres Novas com a sua mediana clareza não engana ninguém, pois se nunca chegamos bem a perceber o que é suficientemente grande ou pequeno.
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