É um pássaro!? É um avião!? Não! É o supermercado! - carlos paiva
Opinião » 2020-10-23 » Carlos Paiva"Se um dia Deus permitisse a vinda de tais supermercados para Torres Novas, cairiam de quatro, "
Corria o distante ano de 1987 quando foi inaugurado o segundo hipermercado em território nacional, na Amadora. O primeiro foi em Matosinhos, em 1985, mas por causa da pronúncia do norte, foi mal interpretado e a malta não ligou. Os torrejanos, sedentos de modernidade, apressaram-se a ir à Rodoviária Nacional, que hoje é um monte de entulho vedado por um muro para não ferir susceptibilidades, alugar uns autocarros para excursionarem probatoriamente a novíssima coqueluche do consumo, tudo muito cosmopolita, claro.
Mal o sol se erguia, estavam todos de mala vazia na antiga garagem dos Claras, que hoje é… bom, ninguém sabe muito bem o que é aquilo, por isso chamemos-lhe “a coisa” que assim toda a gente percebe, para partirem rumo à capital, a cidade da Amadora, com o intuito de encher a mala, alguns, ver as vistas, outros. Lá, nesse destino de sonho, descobriram as mais recentes novidades que só a modernidade e o progresso poderiam oferecer. Deslumbrados com tanta luzinha, tanta corzinha e o ritmo frenético com que tudo se processava, compraram laranjas do Pafarrão, doces e suculentas. Figos de Torres Novas, enormes e brilhantes como se tivessem sido encerados. Garrafas de bebidas espirituosas, temperadas com álcool destilado em Torres Novas. Rolos de papel higiénico, macio, dupla folha, imaculadamente branco, fabricado na Zibreira. Álcool em gel fabricado nas Lapas (não viesse para aí uma virose qualquer e mais vale prevenir que remediar). Azeite virgem, fabricado a partir das azeitonas do concelho de Torres Novas. E outros artigos igualmente raros.
Quando as malas já estavam cheias de todas estas iguarias, apenas acessíveis aos que heroicamente se aventuraram na expedição, regressaram ao burgo com as palas dos autocarros a arrojar pelo chão. Chegados cá, do alto da sua recém adquirida urbanidade, esfregaram na cara dos conterrâneos, saloios cobardes, que não se interessaram pela aventura da expedição ao progresso, toda uma experiência transcendente, a roçar o religioso. E feitas as contas, considerando o custo da viagem, os bens de consumo terem ficado pelo dobro do preço, não fazia mal nenhum.
No dia seguinte, na Amadora, as prateleiras foram repostas com indiferença por indiferenciados. Em Torres Novas, o rio Almonda recebeu os bens de consumo, depois de processados pelo aparelho digestivo dos torrejanos, nunca mais se recompondo do trauma até aos dias de hoje. Dizem as lendas desses dias longínquos, acerca da profundidade do impacto desta heróica expedição, que houve homens feitos, de barba rija, a jurar de lágrimas nos olhos que, se um dia Deus permitisse a vinda de tais supermercados para Torres Novas, cairiam de quatro, esticavam a língua e ficariam de cauda a abanar, arfando em êxtase.
Não sou aventureiro expedicionário, talvez por isso me ecoem na cabeça as palavras do meu avô: “Não sirvas quem nunca serviu”.
É um pássaro!? É um avião!? Não! É o supermercado! - carlos paiva
Opinião » 2020-10-23 » Carlos PaivaSe um dia Deus permitisse a vinda de tais supermercados para Torres Novas, cairiam de quatro,
Corria o distante ano de 1987 quando foi inaugurado o segundo hipermercado em território nacional, na Amadora. O primeiro foi em Matosinhos, em 1985, mas por causa da pronúncia do norte, foi mal interpretado e a malta não ligou. Os torrejanos, sedentos de modernidade, apressaram-se a ir à Rodoviária Nacional, que hoje é um monte de entulho vedado por um muro para não ferir susceptibilidades, alugar uns autocarros para excursionarem probatoriamente a novíssima coqueluche do consumo, tudo muito cosmopolita, claro.
Mal o sol se erguia, estavam todos de mala vazia na antiga garagem dos Claras, que hoje é… bom, ninguém sabe muito bem o que é aquilo, por isso chamemos-lhe “a coisa” que assim toda a gente percebe, para partirem rumo à capital, a cidade da Amadora, com o intuito de encher a mala, alguns, ver as vistas, outros. Lá, nesse destino de sonho, descobriram as mais recentes novidades que só a modernidade e o progresso poderiam oferecer. Deslumbrados com tanta luzinha, tanta corzinha e o ritmo frenético com que tudo se processava, compraram laranjas do Pafarrão, doces e suculentas. Figos de Torres Novas, enormes e brilhantes como se tivessem sido encerados. Garrafas de bebidas espirituosas, temperadas com álcool destilado em Torres Novas. Rolos de papel higiénico, macio, dupla folha, imaculadamente branco, fabricado na Zibreira. Álcool em gel fabricado nas Lapas (não viesse para aí uma virose qualquer e mais vale prevenir que remediar). Azeite virgem, fabricado a partir das azeitonas do concelho de Torres Novas. E outros artigos igualmente raros.
Quando as malas já estavam cheias de todas estas iguarias, apenas acessíveis aos que heroicamente se aventuraram na expedição, regressaram ao burgo com as palas dos autocarros a arrojar pelo chão. Chegados cá, do alto da sua recém adquirida urbanidade, esfregaram na cara dos conterrâneos, saloios cobardes, que não se interessaram pela aventura da expedição ao progresso, toda uma experiência transcendente, a roçar o religioso. E feitas as contas, considerando o custo da viagem, os bens de consumo terem ficado pelo dobro do preço, não fazia mal nenhum.
No dia seguinte, na Amadora, as prateleiras foram repostas com indiferença por indiferenciados. Em Torres Novas, o rio Almonda recebeu os bens de consumo, depois de processados pelo aparelho digestivo dos torrejanos, nunca mais se recompondo do trauma até aos dias de hoje. Dizem as lendas desses dias longínquos, acerca da profundidade do impacto desta heróica expedição, que houve homens feitos, de barba rija, a jurar de lágrimas nos olhos que, se um dia Deus permitisse a vinda de tais supermercados para Torres Novas, cairiam de quatro, esticavam a língua e ficariam de cauda a abanar, arfando em êxtase.
Não sou aventureiro expedicionário, talvez por isso me ecoem na cabeça as palavras do meu avô: “Não sirvas quem nunca serviu”.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
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» 2024-02-28
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