Por causa das coisas
"Disse-me que estava ali, só para dar uma forcinha. E falou-me do Luati. Que ele isto e que ele aquilo. Que era mais de quebrar que de torcer. Não ela, mas o Luati. Também ela, acrescento eu. Perguntei-lhe se conhecia o Luati."
Há dias assim. Estava a ver os telejornais, olho no burro outro no cigano, quando, de repente, uns olhos de lua cheia, uma voz familiar, televisor fora - sala adentro, eis-me surpreendido com uma das minhas irmãs, gritando, gesticulando, empunhando um cartaz, na Sic, na Tvi, não sei onde mais.
Ali estava ela, a Guida, inopinadamente ao lado de muitos outros, numa manifestação que, absorto noutros pensamentos, nem percebi do que se tratava.
Coração aos pulos, liguei-lhe de imediato, imaginando-a metida num trinta e um, numa manif contra o governo, todos os governos, contra o ministro, todos os ministros, contra tudo e contra todos, qual Mafalda contestatária a lembrar os bons velhos tempos do velho liceu de Abrantes.
Atendeu-me, meio orgulhosa pela consciencia do dever cumprido, meio assustada pelo raspanete que se prepararia para ouvir. Lá vinha ele, o mano maior, como ela carinhosamente me trata, dizendo-lhe para ter juizo, que queria tudo, menos vê-la metida em sarilhos e confusões, a ela que já não tinha idade para utopias de adolescência, nem elástico para yo-yo.
Disse-me que estava ali, só para dar uma forcinha. E falou-me do Luati. Que ele isto e que ele aquilo. Que era mais de quebrar que de torcer. Não ela, mas o Luati. Também ela, acrescento eu. Perguntei-lhe se conhecia o Luati.
Não me ouviu nem respondeu. Continuou a desbobinar que estava ali como mãe, como cidadã, como tudo. Percebi que estava cansada, mas tranquila. Feliz e realizada. Deixei que falasse, despedimo-nos com um beijo e lá me disse o habitual “não te preocupes”. Dormi bem, nem me lembro de ter sonhado.
No dia seguinte, ao folhear os jornais, lá estava ela de novo, no Jornal de Notícias, abraçada à irmã do Luati. Acho que nem o conhece. Mas é assim a minha irmã Guida.
A essa hora, a Maria Luisa, a nossa outra irmã, em casa, fazia companhia à nossa mãe, com quem partilha o dia a dia, apoiando-a com carinho, sem tempo para manifestações de rua.
Duas irmãs, duas grandes mulheres: uma (pelas circunstâncias) de casa. Outra (por convicção) de causas. Ambas, por causa das coisas.
(Adelino Correia-Pires, Outubro 2015)
Legenda: Luaty Beirão
Por causa das coisas
Disse-me que estava ali, só para dar uma forcinha. E falou-me do Luati. Que ele isto e que ele aquilo. Que era mais de quebrar que de torcer. Não ela, mas o Luati. Também ela, acrescento eu. Perguntei-lhe se conhecia o Luati.
Há dias assim. Estava a ver os telejornais, olho no burro outro no cigano, quando, de repente, uns olhos de lua cheia, uma voz familiar, televisor fora - sala adentro, eis-me surpreendido com uma das minhas irmãs, gritando, gesticulando, empunhando um cartaz, na Sic, na Tvi, não sei onde mais.
Ali estava ela, a Guida, inopinadamente ao lado de muitos outros, numa manifestação que, absorto noutros pensamentos, nem percebi do que se tratava.
Coração aos pulos, liguei-lhe de imediato, imaginando-a metida num trinta e um, numa manif contra o governo, todos os governos, contra o ministro, todos os ministros, contra tudo e contra todos, qual Mafalda contestatária a lembrar os bons velhos tempos do velho liceu de Abrantes.
Atendeu-me, meio orgulhosa pela consciencia do dever cumprido, meio assustada pelo raspanete que se prepararia para ouvir. Lá vinha ele, o mano maior, como ela carinhosamente me trata, dizendo-lhe para ter juizo, que queria tudo, menos vê-la metida em sarilhos e confusões, a ela que já não tinha idade para utopias de adolescência, nem elástico para yo-yo.
Disse-me que estava ali, só para dar uma forcinha. E falou-me do Luati. Que ele isto e que ele aquilo. Que era mais de quebrar que de torcer. Não ela, mas o Luati. Também ela, acrescento eu. Perguntei-lhe se conhecia o Luati.
Não me ouviu nem respondeu. Continuou a desbobinar que estava ali como mãe, como cidadã, como tudo. Percebi que estava cansada, mas tranquila. Feliz e realizada. Deixei que falasse, despedimo-nos com um beijo e lá me disse o habitual “não te preocupes”. Dormi bem, nem me lembro de ter sonhado.
No dia seguinte, ao folhear os jornais, lá estava ela de novo, no Jornal de Notícias, abraçada à irmã do Luati. Acho que nem o conhece. Mas é assim a minha irmã Guida.
A essa hora, a Maria Luisa, a nossa outra irmã, em casa, fazia companhia à nossa mãe, com quem partilha o dia a dia, apoiando-a com carinho, sem tempo para manifestações de rua.
Duas irmãs, duas grandes mulheres: uma (pelas circunstâncias) de casa. Outra (por convicção) de causas. Ambas, por causa das coisas.
(Adelino Correia-Pires, Outubro 2015)
Legenda: Luaty Beirão
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() Agora que nos estamos a aproximar, no calendário católico, da Páscoa, talvez valha a pena meditar nos versículos 36, 37 e 38, do Capítulo 18, do Evangelho de João. Depois de entregue a Pôncio Pilatos, Jesus respondeu à pergunta deste: Que fizeste? Dito de outro modo: de que és culpado? Ora, a resposta de Jesus é surpreendente: «O meu reino não é deste mundo. |