Um café e um bag… apfelstrudel - josé ricardo costa
Revoluções, conspirações, ideologias, movimentos, manifestos, poemas, romances, tanta coisa da história do Velho Continente que germinou em cafés. Daí Steiner dizer que enquanto houver cafés, a ideia de Europa continua a ter conteúdo. Portugal e Torres Novas também tiverem os seus. Quer dizer que já não têm? Claro que, como na Europa, ainda há cafés, o que já não têm é o peso social e cultural de outrora.
Apesar de saber da ligação de muitos antigos cafés a pessoas importantes que os frequentaram, não entro neles com o espírito de missão de quem se vai sentar porque se sentavam pessoas que nunca se sentaram a pensar que um dia se iriam sentar pessoas por elas se sentarem. Sei que lá se sentavam, sim, o que os enriquece historicamente, não podendo ficar indiferente a isso, mas para além do conhecimento e da beleza, entro para tentar fazer o mesmo que um torrejano no Limão Verde ou na Maria Chá.
Num livro sobre a cidade de Trieste [Tinta da China], conta Jan Morris que um dia resolveu entrar no Caffé San Marco, como se fosse um século atrás. Foi assim que viu professores universitários a ler o jornal, uma pessoa a escrever um romance (embora agora num computador), filósofos a contemplar o tempo. Mas depois lá resolve dar um murro em si própria para concluir que, afinal, talvez os professores fossem contabilistas, o tal romance um programa de computador, e os sóbrios filósofos só pessoas a fazerem horas para ver um jogo de futebol.
Embora não faltem bonitos cafés antigos em Portugal (as várias Brasileiras, a Versailles, o Majestic, o Vianna em Braga, o Aliança em Faro, que entretanto fechou, o Santa Cruz em Coimbra, o Paraíso em Tomar), ou por essa Europa fora (os Caffé San Marco e Stella Polare, em Trieste, os Deux Magots e Café de Flore em Paris, o Florian em Veneza, o Antico Caffè Greco em Roma, o New York em Budapeste, o Bristol em Varsóvia, o Gijón, Comercial ou Barbieri em Madrid, ou ainda mais perto o Novelty, em Salamanca), a verdade é que o meu imaginário dos cafés sempre elegeu Viena como seu centro de gravidade.
Uma Viena que, enquanto meu objecto de desejo, não era a do império, dos sumptuosos palácios e nobilíssimos salões para dançar a valsa com precisão austro-húngara, a Viena de Sissi. Sissi que gosto bem mais de ver só e melancólica pelos jardins do castelo de Miramar, entre Trieste e Duíno, onde Rilke iniciou as suas elegias, por onde perambulei numa manhã fria de nevoeiro de fim de Dezembro. Era, sim, a Viena dos cafés onde se sentaram Mahler, Freud, Klimt, Schiele, Kososchka, Kraus, Zweig,Von Hofmannsthal, Loos, Schnitzler ou Trotsky, embora sabendo que já nem como fantasmas lá estão, apenas como iscos para turistas deslumbrados com nomes sonantes como os de prestigiadas marcas de roupa.
Daí que ao ir de comboio de Budapeste para Viena, era sobretudo para os cafés de Viena que eu ia. E que fui, pois, conhecendo, desde os mais elegantes como o Landtmann, o Central, o Sacher, aos mais simples como o Hawelka, o Sperl, meu preferido (fotos, a do café e do cronista), ou mesmo o Hofburg, apesar do impacto do nome. Acontece que era Verão, muitos turistas nos cafés mais elegantes com fila à porta, estava muito calor, o que apetecia era gelados e bebidas frescas, e o meu imaginário pedia frio, neve ou chuva para me aquecer com um café vienense acompanhado de um apfelstrudel com natas, enquanto observaria pela janela os flocos de neve em câmara lenta. É, pois, com indisfarçável frustração que regresso a Torres Novas após cinco dias de cafés, palácios, museus e jardins, que, diga-se, não são poucos.
Passado ano e meio descubro que está em Viena uma daquelas exposições à qual teria de ir nem que demorasse três dias a chegar à Austrália. Felizmente, eram só as mesmas três horas de Lisboa-Porto em Intercidades. E aí vou eu, já não para comer gelados, mas para um gelado fim-de-semana de Dezembro. Para dar então com um maravilhoso frio de rachar, uma cidade feliz com mercados de natal por todo o lado, e eu bem agasalhadinho a deambular. E assim me vinguei do Verão, refugiando-me por duas vezes em cafés. Uma, no Sperl, para almoçar um schnitzel, rodeado de vienenses conversando ou lendo jornais que o café dispõe. E que não me leve a mal o Sperl por não me esquecer daquele café e apfelstrudel com natas frescas do Landtmann, já todo esplendorosamente iluminado num fim de tarde de um domingo de Inverno, liberto dos maluquinhos do Instagram, ouvindo apenas o alemão partilhado por avós, pais e netos, que ali estavam como um torrejano no Limão Verde ou na Maria Chá, sem pensarem que ali se sentavam Mahler ou Freud, cujo consultório não era longe dali. E impedindo-me o pudor de pegar no telefone para fotografar, como se estivesse numa igreja a assistir a uma missa.
Um café e um bag… apfelstrudel - josé ricardo costa
Revoluções, conspirações, ideologias, movimentos, manifestos, poemas, romances, tanta coisa da história do Velho Continente que germinou em cafés. Daí Steiner dizer que enquanto houver cafés, a ideia de Europa continua a ter conteúdo. Portugal e Torres Novas também tiverem os seus. Quer dizer que já não têm? Claro que, como na Europa, ainda há cafés, o que já não têm é o peso social e cultural de outrora.
Apesar de saber da ligação de muitos antigos cafés a pessoas importantes que os frequentaram, não entro neles com o espírito de missão de quem se vai sentar porque se sentavam pessoas que nunca se sentaram a pensar que um dia se iriam sentar pessoas por elas se sentarem. Sei que lá se sentavam, sim, o que os enriquece historicamente, não podendo ficar indiferente a isso, mas para além do conhecimento e da beleza, entro para tentar fazer o mesmo que um torrejano no Limão Verde ou na Maria Chá.
Num livro sobre a cidade de Trieste [Tinta da China], conta Jan Morris que um dia resolveu entrar no Caffé San Marco, como se fosse um século atrás. Foi assim que viu professores universitários a ler o jornal, uma pessoa a escrever um romance (embora agora num computador), filósofos a contemplar o tempo. Mas depois lá resolve dar um murro em si própria para concluir que, afinal, talvez os professores fossem contabilistas, o tal romance um programa de computador, e os sóbrios filósofos só pessoas a fazerem horas para ver um jogo de futebol.
Embora não faltem bonitos cafés antigos em Portugal (as várias Brasileiras, a Versailles, o Majestic, o Vianna em Braga, o Aliança em Faro, que entretanto fechou, o Santa Cruz em Coimbra, o Paraíso em Tomar), ou por essa Europa fora (os Caffé San Marco e Stella Polare, em Trieste, os Deux Magots e Café de Flore em Paris, o Florian em Veneza, o Antico Caffè Greco em Roma, o New York em Budapeste, o Bristol em Varsóvia, o Gijón, Comercial ou Barbieri em Madrid, ou ainda mais perto o Novelty, em Salamanca), a verdade é que o meu imaginário dos cafés sempre elegeu Viena como seu centro de gravidade.
Uma Viena que, enquanto meu objecto de desejo, não era a do império, dos sumptuosos palácios e nobilíssimos salões para dançar a valsa com precisão austro-húngara, a Viena de Sissi. Sissi que gosto bem mais de ver só e melancólica pelos jardins do castelo de Miramar, entre Trieste e Duíno, onde Rilke iniciou as suas elegias, por onde perambulei numa manhã fria de nevoeiro de fim de Dezembro. Era, sim, a Viena dos cafés onde se sentaram Mahler, Freud, Klimt, Schiele, Kososchka, Kraus, Zweig,Von Hofmannsthal, Loos, Schnitzler ou Trotsky, embora sabendo que já nem como fantasmas lá estão, apenas como iscos para turistas deslumbrados com nomes sonantes como os de prestigiadas marcas de roupa.
Daí que ao ir de comboio de Budapeste para Viena, era sobretudo para os cafés de Viena que eu ia. E que fui, pois, conhecendo, desde os mais elegantes como o Landtmann, o Central, o Sacher, aos mais simples como o Hawelka, o Sperl, meu preferido (fotos, a do café e do cronista), ou mesmo o Hofburg, apesar do impacto do nome. Acontece que era Verão, muitos turistas nos cafés mais elegantes com fila à porta, estava muito calor, o que apetecia era gelados e bebidas frescas, e o meu imaginário pedia frio, neve ou chuva para me aquecer com um café vienense acompanhado de um apfelstrudel com natas, enquanto observaria pela janela os flocos de neve em câmara lenta. É, pois, com indisfarçável frustração que regresso a Torres Novas após cinco dias de cafés, palácios, museus e jardins, que, diga-se, não são poucos.
Passado ano e meio descubro que está em Viena uma daquelas exposições à qual teria de ir nem que demorasse três dias a chegar à Austrália. Felizmente, eram só as mesmas três horas de Lisboa-Porto em Intercidades. E aí vou eu, já não para comer gelados, mas para um gelado fim-de-semana de Dezembro. Para dar então com um maravilhoso frio de rachar, uma cidade feliz com mercados de natal por todo o lado, e eu bem agasalhadinho a deambular. E assim me vinguei do Verão, refugiando-me por duas vezes em cafés. Uma, no Sperl, para almoçar um schnitzel, rodeado de vienenses conversando ou lendo jornais que o café dispõe. E que não me leve a mal o Sperl por não me esquecer daquele café e apfelstrudel com natas frescas do Landtmann, já todo esplendorosamente iluminado num fim de tarde de um domingo de Inverno, liberto dos maluquinhos do Instagram, ouvindo apenas o alemão partilhado por avós, pais e netos, que ali estavam como um torrejano no Limão Verde ou na Maria Chá, sem pensarem que ali se sentavam Mahler ou Freud, cujo consultório não era longe dali. E impedindo-me o pudor de pegar no telefone para fotografar, como se estivesse numa igreja a assistir a uma missa.
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![]() Agora que nos estamos a aproximar, no calendário católico, da Páscoa, talvez valha a pena meditar nos versículos 36, 37 e 38, do Capítulo 18, do Evangelho de João. Depois de entregue a Pôncio Pilatos, Jesus respondeu à pergunta deste: Que fizeste? Dito de outro modo: de que és culpado? Ora, a resposta de Jesus é surpreendente: «O meu reino não é deste mundo. |
![]() Gisèle Pelicot vive e cresceu em França. Tem 71 anos. Casou-se aos 20 anos de idade com Dominique Pelicot, de 72 anos, hoje reformado. Teve dois filhos. Gisèle não sabia que a pessoa que escolheu para estar ao seu lado ao longo da vida a repudiava ao ponto de não suportar a ideia de não lhe fazer mal, tudo isto em segredo e com a ajuda de outros homens, que, como ele, viviam vidas aparentemente, parcialmente e eticamente comuns. |
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