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A minha pátria

Opinião  »  2023-02-04  »  José Ricardo Costa

"Errado é pensar que se fôssemos espanhóis não seríamos portugueses. Galegos são galegos e bascos, bascos, e há governos na Galiza e no País Basco como na Madeira e Açores."

Há quem não ache graça a eu dizer que Portugal é um acidente histórico. Não percebo, pois parece-me tão evidente como o cão ser mamífero e Marte um planeta, ou que D. Afonso Henriques não teria nascido se Henrique e Teresa não se conhecessem, tanto no sentido social como bíblico. Todos os países são acidentes históricos, apenas uns mais que outros e alguns morreram mesmo de acidente.

Menos graça ainda acham quando digo que não me importava de ser espanhol, coisa chocante que passaria despercebida não fosse o primo de Afonso VII querer ser mais do que senhor feudal. Se eu tivesse acordado hoje de manhã com corpo de mulher iria ficar horrorizado. Mas tivesse nascido mulher iria ficar horrorizada se acordasse hoje com o corpo com que os cromossomas me brindaram, e não era só por não ter feito a depilação. Mas como voltei a acordar com o mesmo corpo de há décadas, só perco tempo a falar nisto devido ao lamentável problema de não conseguir estar calado. Pronto, é mais ou menos isto.

Errado é ainda pensar que se fôssemos espanhóis não seríamos portugueses. Galegos são galegos e bascos, bascos, e há governos na Galiza e no País Basco como na Madeira e Açores. E se Franco, Rajoy e Feijóo são galegos, nada me diz que Costa não pudesse estar agora sentado na Moncloa, e digo isto sem ter nada contra os espanhóis, como já se percebeu.

A questão mais sensível é a da nossa cultura. Mas continuaríamos a ter o pastel de Tentúgal, o vinho do Porto, o Vira do Minho, o Eça, os forcados, ou a peixeira da Nazaré com chambres, zimmers e rooms cujo património rivaliza com o mosteiro de Alcobaça. Que em nada surpreenderiam um espanhol (ou basco) como Unamuno, que dizia «Yo no sé en qué consiste; pero en esta tierra portuguesa, casi todos aquellos com quienes cruzo me parecen antiguos conocidos: tienen caras que he visto en alguna otra parte». O mesmo digo eu quando resolvo ir ali a Espanha divertir-me. Mas quem vê caras não vê línguas, e é mesmo a portuguesa que me dá prazer de ser português, embora preferisse que o nosso hino ficasse calado como o espanhol, o qual vive bem sem a presença de canhões e de avós que mereciam melhor tratamento. Se alguma vez chegar a ser avô, ao neto que me chame egrégio chamo-lhe logo Agostinho para ver se gosta.

Li há dias no El País uma entrevista com o David Foster Wallace quando ainda era vivo, o que me parece normal pois o contrário é que seria de estranhar. Quando em dado momento fala no Terciopelo Azul não pude evitar um estremecimento. Ele não tem culpa já que não falou em Terciopelo Azul nenhum mas no Blue Velvet, o tradutor é que lhe deu aquela sonoridade patética a que se habituaram as crianças portuguesas do tempo do Doraemon, El gato cósmico. Terciopelo?! Compare-se com a maviosidade do nosso “Veludo”! Passa pela mão de alguém a vontade de acariciar um tecido de terciopelo?

Um dos títulos ingleses de que mais gosto é “Wuthering Heights”. Em vez de contar carneiros ou os dias que me faltam para a reforma, eu poderia soletrar “wu-the-ring-heights” até adormecer. É certo que “Monte dos Vendavais” não terá a mesma elegância mas, dito baixinho e calmamente como quem adormece um bebé, tem a beleza melancólica de uma distante sonata saída de uma janela numa manhã de outono. Mas atirem-me com umas Cumbres Borrascosas para cima e o que me vem logo à cabeça é o Sérgio Ramos a abalroar um adversário durante a marcação de um canto. Claro que existe borrasca na nossa língua mas livrámo-nos dela por ser tão feia.

Claro que o espanhol não tem a violência gratuita e quase psicopática do basco, língua na qual algo de tão poético como «Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher/Seus ombros beijarei, a pedra pequena do sorriso de um momento» dá qualquer coisa como «Emaidazu belar bizi-hosto bat, emakume bat, musu emango dizkizut zure sorbaldak, une bateko irribarrearen harri txikia». Que Deus nos proteja e venha alguém dizer não ser isto a língua do demónio. Mas estamos protegidos. Fosse qual fosse o nosso destino, a nossa língua seria sempre de veludo e não aterciopelada, como se atropelada pela fonética para ficar uma salgada e picante linguiça.

 

 

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