Entre Trieste e Veneza - josé ricardo costa
Começo esta série de crónicas de viagens de modo simbólico: pelo primeiro dia deste ano. Num comboio, algures entre Trieste, onde aquele homem entrou comigo, e Veneza, onde também saiu, embora no meu caso só para apanhar o segundo dos quatro comboios que me levariam a Bergamo. A viagem é longa até Veneza e não me falta tempo para o observar enquanto descanso da leitura que rivaliza com a paisagem. Vejo-o igual a mim enquanto viajante solitário, mas não posso deixar de pensar nos nossos diferentes destinos até nos sentarmos nos respectivos lugares
É verdade que somos ambos estrangeiros. Como ele, estou a milhares de quilómetros de casa; como ele, não passo o dia a dizer prego, nem digo ciao quando encontro alguém na rua, e o pouco que sei da língua vem dos filmes, que incluem comédias parvas dos anos 60 e 70; o meu país, tal como o dele, não é o de Cícero, Horácio, Ovídio, Boccaccio, Dante, Petrarca, Leopardi, Leonardo, Rafael, Bernini, Canova, Brunelleschi, Palladio, Pico de la Mirandola, Galileu, Monteverdi, Vivaldi, Verdi, Puccini, Visconti, Monica Vitti ou Marcello Mastroianni. Nem de Júlio César, Augusto, Maquiavel, Medici, Borgias, Garibaldi ou Vitor Emanuel.
Mas, e embora algo remotamente de um ponto de vista geográfico, sou, como um italiano, também europeu. Portugal terá uma história, como a Itália, a França ou a Suécia têm as suas. Acontece que cada história de um país é parte da história da Europa e a história da Europa marca, para o bem e para o mal, a história de cada país. Um continente mas que, como diria George Steiner em A Ideia de Europa, tem o tamanho de um país. Pouco mais que os Estados Unidos, China, Brasil ou Austrália. Alguém já pensou no Peru como país de grande dimensão? Façam as contas, a sua área corresponde à área toda junta da França, Alemanha, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Suíça, Áustria, Eslováquia e Hungria, quase toda a Europa Central.
O que significa, pois, um português entre Trieste e Veneza? Significa que vai ali e já volta, como o homem que sai de casa para comprar fósforos, só que neste caso volta mesmo. Podemos ser diferentes, mas não mais do que um americano de Nova Iorque e da Lousiana, ou da Califórnia e do Oklahoma. Somos todos filhos de Atenas e Jerusalém, e apesar das diferenças religiosas encontramos as mesmas catedrais por todo o lado. O Deus é o mesmo e em nome do qual estiveram todos em Lepanto, incluindo Cervantes, o pai de uma obra-prima, não da literatura espanhola, mas europeia.
Observo, pois, este homem e penso que a sua bagagem é bem diferente da minha. Ambas pesadas, mas com pesos diferentes. Eu, levado pelo peso da cultura, prazer, deambulação, evasão, ele, pelo peso da falta de trabalho, comida ou segurança num continente que pouco sabe de democracia, ética republicana e estado social.
E mais: naquele comboio, como já antes em Trieste e depois em Veneza, quem ali vai é um branco e um negro. Eu entro numa estação, numa loja, num café, num hotel ou num museu e o que vêem é um branco a entrar. Logo percebem não ser italiano, mas já antes tinham percebido que é europeu. Com ele não, e isso faz toda a diferença. Quando, naquele comboio, ele olhava à sua volta, não via, não podia ver, o mesmo que eu. Os seus olhos não são os meus, pois também sabe que os outros olhos não o vêem como me vêem a mim. Sei lá mesmo se ao olhar para mim a olhá-lo não pensava estar a ser olhado como tantos outros olham para ele, um olhar que eu próprio, com natural e desejável repugnância, também já vi.
Não fosse eu tímido e reservado, e ter-me-ia sentado ao pé dele para meter conversa, deixando a minha literatura para o comboio seguinte. Para também lhe dizer que se o seu continente, durante tantos séculos apenas negro, passou também depois a ser branco, também o meu, tantos séculos apenas branco, só poderá congratular-se por dar a mão a quem chega para unir o seu destino ao dele.
Entre Trieste e Veneza - josé ricardo costa
Começo esta série de crónicas de viagens de modo simbólico: pelo primeiro dia deste ano. Num comboio, algures entre Trieste, onde aquele homem entrou comigo, e Veneza, onde também saiu, embora no meu caso só para apanhar o segundo dos quatro comboios que me levariam a Bergamo. A viagem é longa até Veneza e não me falta tempo para o observar enquanto descanso da leitura que rivaliza com a paisagem. Vejo-o igual a mim enquanto viajante solitário, mas não posso deixar de pensar nos nossos diferentes destinos até nos sentarmos nos respectivos lugares
É verdade que somos ambos estrangeiros. Como ele, estou a milhares de quilómetros de casa; como ele, não passo o dia a dizer prego, nem digo ciao quando encontro alguém na rua, e o pouco que sei da língua vem dos filmes, que incluem comédias parvas dos anos 60 e 70; o meu país, tal como o dele, não é o de Cícero, Horácio, Ovídio, Boccaccio, Dante, Petrarca, Leopardi, Leonardo, Rafael, Bernini, Canova, Brunelleschi, Palladio, Pico de la Mirandola, Galileu, Monteverdi, Vivaldi, Verdi, Puccini, Visconti, Monica Vitti ou Marcello Mastroianni. Nem de Júlio César, Augusto, Maquiavel, Medici, Borgias, Garibaldi ou Vitor Emanuel.
Mas, e embora algo remotamente de um ponto de vista geográfico, sou, como um italiano, também europeu. Portugal terá uma história, como a Itália, a França ou a Suécia têm as suas. Acontece que cada história de um país é parte da história da Europa e a história da Europa marca, para o bem e para o mal, a história de cada país. Um continente mas que, como diria George Steiner em A Ideia de Europa, tem o tamanho de um país. Pouco mais que os Estados Unidos, China, Brasil ou Austrália. Alguém já pensou no Peru como país de grande dimensão? Façam as contas, a sua área corresponde à área toda junta da França, Alemanha, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Suíça, Áustria, Eslováquia e Hungria, quase toda a Europa Central.
O que significa, pois, um português entre Trieste e Veneza? Significa que vai ali e já volta, como o homem que sai de casa para comprar fósforos, só que neste caso volta mesmo. Podemos ser diferentes, mas não mais do que um americano de Nova Iorque e da Lousiana, ou da Califórnia e do Oklahoma. Somos todos filhos de Atenas e Jerusalém, e apesar das diferenças religiosas encontramos as mesmas catedrais por todo o lado. O Deus é o mesmo e em nome do qual estiveram todos em Lepanto, incluindo Cervantes, o pai de uma obra-prima, não da literatura espanhola, mas europeia.
Observo, pois, este homem e penso que a sua bagagem é bem diferente da minha. Ambas pesadas, mas com pesos diferentes. Eu, levado pelo peso da cultura, prazer, deambulação, evasão, ele, pelo peso da falta de trabalho, comida ou segurança num continente que pouco sabe de democracia, ética republicana e estado social.
E mais: naquele comboio, como já antes em Trieste e depois em Veneza, quem ali vai é um branco e um negro. Eu entro numa estação, numa loja, num café, num hotel ou num museu e o que vêem é um branco a entrar. Logo percebem não ser italiano, mas já antes tinham percebido que é europeu. Com ele não, e isso faz toda a diferença. Quando, naquele comboio, ele olhava à sua volta, não via, não podia ver, o mesmo que eu. Os seus olhos não são os meus, pois também sabe que os outros olhos não o vêem como me vêem a mim. Sei lá mesmo se ao olhar para mim a olhá-lo não pensava estar a ser olhado como tantos outros olham para ele, um olhar que eu próprio, com natural e desejável repugnância, também já vi.
Não fosse eu tímido e reservado, e ter-me-ia sentado ao pé dele para meter conversa, deixando a minha literatura para o comboio seguinte. Para também lhe dizer que se o seu continente, durante tantos séculos apenas negro, passou também depois a ser branco, também o meu, tantos séculos apenas branco, só poderá congratular-se por dar a mão a quem chega para unir o seu destino ao dele.
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