Não sou digno de ti
"Ao ler o Diário de Notícias e o Século nos dias seguintes é que percebi o que tinha acontecido, mas não imaginava o seu alcance."
Não foi “E depois do adeus” nem a “Grândola” que me adormeceram nessa noite, mas sim “Non son degno di te” (“Não sou digno de ti”) de Gianni Morandi, suplicada por alguém depois de dizer a frase ao telefone da rádio, o romantismo italiano adocicando-me os ouvidos, embalando-me o sono num colchão renovado com a renovação das camisas de milho. De manhã peguei na Solrac, assim crismada pelo Carlos Caralhana, um artista no arranjo das bicicletas do Alves Barbosa, e zarpei na bisga para apanhar o comboio que me haveria de levar ao Liceu Sá da Bandeira na capital do Ribatejo. Chegado à estação da CP, ajeitei as fitas nos punhos do guiador, e encostei a bicicleta a uma barrica de carvalho de um precioso tinto na taberna do Manuel da Estação onde ficou a estagiar até ao final da manhã desse dia.
A viagem decorreria sem incidentes de maior e de modo costumeiro, o Emílio e o Jacinto gozavam com o Cebola, especialista no arremesso de pedras à cabreiro, entrado no comboio em Mato de Miranda, ao qual se juntavam depois dois pescadores de enguias de Vale de Figueira, até ficar vermelho de raiva mais vermelho ainda do que o Hélder que já vinha de Caxarias sempre a assobiar para o ar e a dizer tonteiras para disfarçar.
Vinte e cinco minutos depois a viagem estava cumprida. Subir a ladeira da estação de Santarém até ao Liceu foi um ver se te avias que o comboio andava sempre atrasado, fizemos a subida tão velozmente que por pouco não era batido o recorde dos oito minutos e doze segundos que o Víctor Gomes registou a fazer o mesmo percurso mas a descer, a descer todos os santos ajudaram, claro, que ainda hoje vigora por lá como marca inultrapassável.
Foi chegar e pouco depois vir embora porque não havia aulas, e só por isso já foi um dia de festa. Só houve tempo para uma rápida jogatana de futebol em que o Manuel João Quartilho, goleganense de gema, deu mais uma lição de bem tratar a bola, e todos tentavam imitar mas ninguém lhe conseguia chegar aos calcanhares. Nesse dia o artista da bola teve mais cuidado e não partiu com uma bolada a janela do laboratório de Química do professor Licínio como havia feito há tempos. Bem, também houve tempo para uma deslocação fortuita ao Calhambeque, loja que atraía a rapaziada com toda a sorte de jogos, em que pontuavam os matraquilhos, os relvados dos bilhares e snookers, as pistas de carros e uma máquina de discos a vomitar os êxitos dos Beatles durante todo o santo dia.
Cheguei ao Café Central, ainda na manhã desse dia. À entrada, no terraço, o “El Rodrigo”, que não tinha ido trabalhar nesse dia ao António Alves, fábrica das lãs, estava de plantão com o rádio no ouvido a empanturrar-se com as notícias, disparou à queima-roupa “Então, sabes o que é que se está a passar?”. Como eu apenas lhe respondera que não sabia, só sabia que não tinha havido aulas, e nada mais queria saber, a conversa ficou por ali.
Ao ler o Diário de Notícias e o Século nos dias seguintes é que percebi o que tinha acontecido, mas não imaginava o seu alcance. Só mais tarde é que me apercebi da importância do dia, o que estava para trás, o que lhe deu origem, e o que sonhámos para a frente. Com essas descobertas, veio o deslumbramento, os sonhos pessoais e intransmissíveis, tudo o que me marcou para sempre e não se pode nem deve esquecer. Foi só a partir desse dia que começou a minha vida. É certo que nunca mais ouvi o Gianni Morandi e sempre confessei em surdina, “25 de Abril, desculpa mas no teu dia não te liguei nenhuma, não sou digno de ti!”.
Não sou digno de ti
Ao ler o Diário de Notícias e o Século nos dias seguintes é que percebi o que tinha acontecido, mas não imaginava o seu alcance.
Não foi “E depois do adeus” nem a “Grândola” que me adormeceram nessa noite, mas sim “Non son degno di te” (“Não sou digno de ti”) de Gianni Morandi, suplicada por alguém depois de dizer a frase ao telefone da rádio, o romantismo italiano adocicando-me os ouvidos, embalando-me o sono num colchão renovado com a renovação das camisas de milho. De manhã peguei na Solrac, assim crismada pelo Carlos Caralhana, um artista no arranjo das bicicletas do Alves Barbosa, e zarpei na bisga para apanhar o comboio que me haveria de levar ao Liceu Sá da Bandeira na capital do Ribatejo. Chegado à estação da CP, ajeitei as fitas nos punhos do guiador, e encostei a bicicleta a uma barrica de carvalho de um precioso tinto na taberna do Manuel da Estação onde ficou a estagiar até ao final da manhã desse dia.
A viagem decorreria sem incidentes de maior e de modo costumeiro, o Emílio e o Jacinto gozavam com o Cebola, especialista no arremesso de pedras à cabreiro, entrado no comboio em Mato de Miranda, ao qual se juntavam depois dois pescadores de enguias de Vale de Figueira, até ficar vermelho de raiva mais vermelho ainda do que o Hélder que já vinha de Caxarias sempre a assobiar para o ar e a dizer tonteiras para disfarçar.
Vinte e cinco minutos depois a viagem estava cumprida. Subir a ladeira da estação de Santarém até ao Liceu foi um ver se te avias que o comboio andava sempre atrasado, fizemos a subida tão velozmente que por pouco não era batido o recorde dos oito minutos e doze segundos que o Víctor Gomes registou a fazer o mesmo percurso mas a descer, a descer todos os santos ajudaram, claro, que ainda hoje vigora por lá como marca inultrapassável.
Foi chegar e pouco depois vir embora porque não havia aulas, e só por isso já foi um dia de festa. Só houve tempo para uma rápida jogatana de futebol em que o Manuel João Quartilho, goleganense de gema, deu mais uma lição de bem tratar a bola, e todos tentavam imitar mas ninguém lhe conseguia chegar aos calcanhares. Nesse dia o artista da bola teve mais cuidado e não partiu com uma bolada a janela do laboratório de Química do professor Licínio como havia feito há tempos. Bem, também houve tempo para uma deslocação fortuita ao Calhambeque, loja que atraía a rapaziada com toda a sorte de jogos, em que pontuavam os matraquilhos, os relvados dos bilhares e snookers, as pistas de carros e uma máquina de discos a vomitar os êxitos dos Beatles durante todo o santo dia.
Cheguei ao Café Central, ainda na manhã desse dia. À entrada, no terraço, o “El Rodrigo”, que não tinha ido trabalhar nesse dia ao António Alves, fábrica das lãs, estava de plantão com o rádio no ouvido a empanturrar-se com as notícias, disparou à queima-roupa “Então, sabes o que é que se está a passar?”. Como eu apenas lhe respondera que não sabia, só sabia que não tinha havido aulas, e nada mais queria saber, a conversa ficou por ali.
Ao ler o Diário de Notícias e o Século nos dias seguintes é que percebi o que tinha acontecido, mas não imaginava o seu alcance. Só mais tarde é que me apercebi da importância do dia, o que estava para trás, o que lhe deu origem, e o que sonhámos para a frente. Com essas descobertas, veio o deslumbramento, os sonhos pessoais e intransmissíveis, tudo o que me marcou para sempre e não se pode nem deve esquecer. Foi só a partir desse dia que começou a minha vida. É certo que nunca mais ouvi o Gianni Morandi e sempre confessei em surdina, “25 de Abril, desculpa mas no teu dia não te liguei nenhuma, não sou digno de ti!”.
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