A vitória do Chile
"Daí a ingenuidade infantil do «Chile vencerá!», como uma criança que exige que depois do Inverno venha a Primavera ou que o Sol nasça no dia seguinte"
Torres Novas é uma terra cheia de ruínas, o que dá uma enorme tristeza e uma espécie de infelicidade urbana para a qual não conheço palavra. Ruínas não deveriam ser onde vivem pessoas mas em Pompeia, castelos na Escócia, abadias em Inglaterra ou anfiteatros na Grécia, onde apenas vivem fantasmas pacificamente misturados com turistas que chegam e logo partem.
Já o mural quase arruinado numa parede também em avançado estado de ruína ali entre a Ponte do raro e a antiga garagem dos Claras, salvando-se apenas a frondosa hera que lhe dá vida e beleza, combinando com a verde ferraria enferrujada do portão, apenas me suscita uma suave melancolia motivada pela passagem do tempo. Do tempo que o foi arruinando mas também pelo tempo verbal futuro (“vencerá!”) lido mais de 40 anos depois, e que tanto mais se torna passado quanto mais futuro houver.
Naqueles anos, acabados de sair de um regime obsoleto, o que vinha logo à cabeça de um português a respeito do Chile era Pinochet, terror, tortura, desaparecidos, um estádio-prisão, Allende assassinado. Sim, chovia torrencialmente em Santiago. Décadas depois, Chile é sinónimo de pescada, Arturo Vidal ou observatórios astronómicos.
Em comícios de esquerda, incluindo os do PS que eu frequentava, havia sempre um vibrante momento Rick’s Café em que as pessoas se levantavam de punho erguido para gritarem «O Chile vencerá!, o Chile vencerá!, o Chile vencerá!». A minha melancolia perante este mural é também por pensar na pueril consciência de quem o gritava, como crianças que torcem para que o Pai Natal não se esqueça de aparecer na noite de Natal para satisfazer os seus desejos.
Gritava-se, ou pintava-se, «O Chile vencerá!» para, como numa primitiva pintura rupestre ou uma ritual dança da chuva, expandir o desejo, não de um veado ou de chuva, mas de fazer aparecer o futuro: um Chile democrático em vez de uma sanguinária ditadura militar. Só que o «Chile venceria» sempre pois a História, esse grande árbitro que acaba sempre por se deixar comprar, o obrigaria a vencer. A gente olha para a América Latina dos anos 70 e são ditaduras militares por todo o lado. Na própria Europa havia tenebrosas ditaduras fascistas e comunistas. Por que razão se tornaram democracias, ainda que uma ou outra mais musculada? Porque tiveram sorte, por uma feliz conjugação aleatória de factores? Não. Foi assim porque teria de ser assim. Alguém tem imaginação para conceber uma ditadura fascista ainda hoje em Portugal? Ou, admitindo que os comunistas tinham conquistado o poder em 1975, uma ditadura comunista, pró-soviética, quando a própria União Soviética deixou de existir? Ora, o mesmo se passa com Bolívia, Argentina, Uruguai, Paraguai ou o Chile, tornando o Latin` America dos Jafumega tão desbotado como o agonizante mural na parede torrejana.
Daí a ingenuidade infantil do «Chile vencerá!», como uma criança que exige que depois do Inverno venha a Primavera ou que o Sol nasça no dia seguinte. Ver em 2019 este mural de 1976 é assim como ver um filme policial em que após de duas horas de inquietante mistério se descobre o assassino, mas percebendo, afinal, que só poderia ter sido aquele. A história não tem grandes mistérios para quem vem a seguir e percebe ser ela o seu próprio ovo de Colombo.
A vitória do Chile
Daí a ingenuidade infantil do «Chile vencerá!», como uma criança que exige que depois do Inverno venha a Primavera ou que o Sol nasça no dia seguinte
Torres Novas é uma terra cheia de ruínas, o que dá uma enorme tristeza e uma espécie de infelicidade urbana para a qual não conheço palavra. Ruínas não deveriam ser onde vivem pessoas mas em Pompeia, castelos na Escócia, abadias em Inglaterra ou anfiteatros na Grécia, onde apenas vivem fantasmas pacificamente misturados com turistas que chegam e logo partem.
Já o mural quase arruinado numa parede também em avançado estado de ruína ali entre a Ponte do raro e a antiga garagem dos Claras, salvando-se apenas a frondosa hera que lhe dá vida e beleza, combinando com a verde ferraria enferrujada do portão, apenas me suscita uma suave melancolia motivada pela passagem do tempo. Do tempo que o foi arruinando mas também pelo tempo verbal futuro (“vencerá!”) lido mais de 40 anos depois, e que tanto mais se torna passado quanto mais futuro houver.
Naqueles anos, acabados de sair de um regime obsoleto, o que vinha logo à cabeça de um português a respeito do Chile era Pinochet, terror, tortura, desaparecidos, um estádio-prisão, Allende assassinado. Sim, chovia torrencialmente em Santiago. Décadas depois, Chile é sinónimo de pescada, Arturo Vidal ou observatórios astronómicos.
Em comícios de esquerda, incluindo os do PS que eu frequentava, havia sempre um vibrante momento Rick’s Café em que as pessoas se levantavam de punho erguido para gritarem «O Chile vencerá!, o Chile vencerá!, o Chile vencerá!». A minha melancolia perante este mural é também por pensar na pueril consciência de quem o gritava, como crianças que torcem para que o Pai Natal não se esqueça de aparecer na noite de Natal para satisfazer os seus desejos.
Gritava-se, ou pintava-se, «O Chile vencerá!» para, como numa primitiva pintura rupestre ou uma ritual dança da chuva, expandir o desejo, não de um veado ou de chuva, mas de fazer aparecer o futuro: um Chile democrático em vez de uma sanguinária ditadura militar. Só que o «Chile venceria» sempre pois a História, esse grande árbitro que acaba sempre por se deixar comprar, o obrigaria a vencer. A gente olha para a América Latina dos anos 70 e são ditaduras militares por todo o lado. Na própria Europa havia tenebrosas ditaduras fascistas e comunistas. Por que razão se tornaram democracias, ainda que uma ou outra mais musculada? Porque tiveram sorte, por uma feliz conjugação aleatória de factores? Não. Foi assim porque teria de ser assim. Alguém tem imaginação para conceber uma ditadura fascista ainda hoje em Portugal? Ou, admitindo que os comunistas tinham conquistado o poder em 1975, uma ditadura comunista, pró-soviética, quando a própria União Soviética deixou de existir? Ora, o mesmo se passa com Bolívia, Argentina, Uruguai, Paraguai ou o Chile, tornando o Latin` America dos Jafumega tão desbotado como o agonizante mural na parede torrejana.
Daí a ingenuidade infantil do «Chile vencerá!», como uma criança que exige que depois do Inverno venha a Primavera ou que o Sol nasça no dia seguinte. Ver em 2019 este mural de 1976 é assim como ver um filme policial em que após de duas horas de inquietante mistério se descobre o assassino, mas percebendo, afinal, que só poderia ter sido aquele. A história não tem grandes mistérios para quem vem a seguir e percebe ser ela o seu próprio ovo de Colombo.
![]() Dizia-se do último czar da Rússia, Nicolau II, que a sua opinião era a opinião da última pessoa com quem tinha falado. Cem anos depois, Nicolau II reencarnou em alguma daquela rapaziada que tomou conta dos principais partidos da nossa democracia. |
![]() Quando saí de Torres Novas para ir estudar em Lisboa já sabia que iria depois sair de Lisboa para vir trabalhar em Torres Novas. A primeira razão para voltar foi de natureza umbilical: eu ser de Torres Novas como outros são de Mangualde ou Famalicão. |
![]() Se se observar o comportamento dos portugueses perante a pandemia, talvez seja possível ter um vislumbre daquilo que somos e de como gostamos de ser governados. Obviamente que não nos comportamos todas da mesma forma e não gostamos todos de ser governados da mesma maneira. |
![]() O herói nacional, melhor jogador de futebol do mundo de sempre, segundo dizem, foi protagonista numa daquelas histórias que são matéria-prima para solidificar lendas. Nessa história, sublinhando as origens humildes, o estratosférico conquista mais um laço com o Zé comum. |
![]() Apesar da limitação de vacinas nesta fase, o país tem vindo a ser confrontado com variados episódios de vacinação fora do que está priorizado. Há sempre alguém que se julga acima das normas ou que faz as suas próprias normas e ultrapassa assim os que estão na fila, ou então por via de terceiros chegam primeiro à seringa. |
![]() Na falta de acções presenciais, multiplicaram-se, nos últimos meses, as iniciativas on-line sobre os mais diversos assuntos. Num destes eventos em que participei, sensibilizou-me, particularmente, o testemunho de um ex-ministro social-democrata que, quando questionado sobre um eventual regresso à vida política mais activa, reconheceu que não pretende fazê-lo porque, e nas suas palavras, os quatro anos em que foi ministro mudaram-no, levando amigos e familiares mais próximos a dizerem-lhe que, nessa altura, ele não era “o mesmo Nuno”. |
![]() 1. O PSD de Torres Novas é uma anedota. Ao mesmo tempo que digo isto, ouço já ao fundo vozes a erguerem-se contra esta forma crua e dura de arrancar com este texto. Imagino até as conclusões de quem tem facilidade de falar sem saber: é do Bloco, dizem uns, comunista desde sempre, atiram outros, indo ainda mais longe, lembrando que dirige aquele pasquim comunista, conforme aprenderam com o ex-presidente socialista. |
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![]() Passo de ballet, movimento em que a bailarina estica graciosamente a perna, tem diferentes níveis de dificuldade consoante a direcção da perna e a altura a que chega o pé, requer um grande equilíbrio e um elevado nível de concentração. |
![]() Ouço os sinais ao longe. Um pranto gritado bem alto, do alto dos sinos da igreja, por alguém que partiu. É já raro ouvir-se. Por norma, pelo menos na nossa cidade, ecoam apenas pelos que muito deram de si à causa religiosa. |
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Hill Street Blues - carlos paiva |
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» Inês Vidal
PSD: a morte há muito anunciada - inês vidal |
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» Jorge Carreira Maia
O estranho caso das vacinas - jorge carreira maia |
» 2021-02-18
» Hélder Dias
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Na mouche - josé ricardo costa |